A Babá Perfeita romance Capítulo 30

- Anda, Chloe, me fala. O que você estava fazendo trancada aí dentro?

A confusão estampada nos olhos de Abigail me faz paralisar. Meu cérebro trabalha em slow motion e eu quase posso ouvir o barulho de maquinaria velha rangendo. Sempre fui uma boa mentirosa, não que isso seja algo do qual se orgulhar. Mas, dessa vez, minhas ideias surgem bagunçadas e, consequentemente, as palavras levam tempo demais para sair da minha boca.

Apenas quando sinto o celular vibrar dentro da minha mão é que tenho uma ideia do que fazer.

- Chloe? - ela me chama outra vez, a expressão severa de quem está pronta para me dar muito mais do que uma simples bronca.

Eu abro um sorriso reluzente.

- Eu esqueci uma coisa aqui mais cedo e vim buscar - digo, dando de ombros como quem se desculpa. - A porta deve ter trancado ou eu mesma a fechei sem querer.

Ela me olha, ainda intrigada.

- Que coisa, Chloe? 

- Meu celular - eu mostro o aparelho, ainda sorrindo. - Sinto muito, Abigail. Não queria assustar você, nem parecer uma enxerida que sai bisbilhotando a casa dos outros. Mas eu não consigo passar uma noite sem acessar minhas redes sociais, mandar mensagem, você entende? - justifico com um olhar cheio de culpa. - Por favor, não me entregue para o Sr Lancaster. Ele foi tão duro comigo da última vez e eu nem tinha feito nada.

Abigail me encara por um tempo que parece longo, interminável. Seus olhos me sondam a procura de vestígios de que estou contando uma mentira. Por fora sou um poço de calma e convicção, mas por dentro estou tremendo como vara verde, enquanto aguardo o seu julgamento.

- Você não pode entrar aqui, Chloe. Nunca - ela diz, com um suspiro. - Não sem permissão. Especialmente, não sem o patrão estar aqui dentro.

- É claro - eu murmuro, balançando a cabeça. - Peço desculpas outra vez. Notei que o Sr Lancaster é muito organizado.. mas pode deixar, eu não mexi em nada. 

Abigail começa a avançar pelo corredor, esperando que eu faça o mesmo, no caminho para o meu quarto.

Sinto que escapei por muito pouco. Preciso ser mais cuidadosa.

Eu a sigo de perto, calada, até que ela mesma quebra o silêncio.

- Onde estava o seu telefone?

Um sinal de alarme dispara dentro da minha cabeça. Não vai ser exatamente fácil despistá-la.

- No carpete. No chão - procuro controlar o meu tom de voz. Cacete, Abigail não pode dar uma de cão de caça justo agora. Não quando eu ainda posso sentir minhas pernas tremendo de medo. - Estava caído bem perto da mesa do Sr Lancaster. Acho que ele não viu o aparelho ou teria devolvido, claro.

Ela balança a cabeça lentamente, fixando os olhos em mim outra vez. Os seus passos cessam e eu faço o mesmo, nos colocando frente a frente.

- Certo, eu não vou contar ao Sr Lancaster, Chloe - promete e o meu peito esvazia como um balão de gás quando deixo escapar um suspiro de alívio. - Mas você tem que me prometer que não vai mais fazer isso. Nunca mais.

Eu engulo em seco e abro o sorriso mais honesto-sem-ser-honesto que consigo.

- Pode deixar. Nunca mais.

- Ótimo.

A governanta volta a andar e, dessa vez, nós só paramos ao chegar a porta do meu quarto. Uma imagem passa pela minha cabeça e um arrepio de pânico sobe pela minha coluna. E se não fosse Abigail a me encontrar essa noite? E se Max Lancaster resolvesse retornar para conferir a porta que tinha sido esquecida destrancada?

O que aconteceria se ele soubesse que andei tentando desvendar seu segredo?

- Abigail, posso te perguntar uma coisa? - arrisco, comprimindo os lábios - Há algumas semanas, eu notei que havia porta-retratos sobre a mesa do escritório, mas eles sumiram de repente. O que aconteceu?

Ela olha para mim com um certo assombro.

- Eu não me lembro, Chloe. Devo ter tirado para limpar e me esqueci de por de volta, deve ser isso - acrescenta, sorrindo amigavelmente. - Obrigada por avisar, eu vou ficar mais atenta. Ando com a cabeça péssima, me esquecendo das coisas.

- Acho que você ainda é bem nova para andar se esquecendo - eu comento, com uma pontada de preocupação. Apesar de acreditar que estarmos de lados opostos agora nessa investigação mútua, Abigail é uma das melhores pessoas que conheço e me preocupo sinceramente com ela. - Aconteceu alguma coisa? Você parece cansada.

- É verdade - ela confessa, suspirando profundamente. - São preocupações. E quando estou preocupada, não consigo me concentrar muito bem.

- Algo com as meninas? - eu pergunto, com a pulga atrás da orelha.

Ela nega com a cabeça, desviando os olhos para a porta atrás de mim.

- Essa casa - pisca, lentamente, e eu noto, pela primeira vez, olheiras profundas e escuras sob os seus olhos. Elas não estavam lá, semanas antes, disso eu tenho certeza. - Essa casa, às vezes, é um fardo. 

Suas palavras me deixam atordoada. Caramba. Eu nunca imaginaria ouvir algo assim de Abigail. Mas então me lembro da sua reclamação velada mais cedo, na cozinha, sobre levar o jantar de Max Lancaster no escritório. 

Talvez ela não seja tão subserviente como eu pensava.

Eu penso depressa e minhas próximas palavras saem com tanta naturalidade que até eu me surpreendo.

- Você se arrepende? - faço uma pausa diante do seu olhar ligeiramente confuso antes de prosseguir: - De não ter seguido outro caminho quando era mais jovem. Você nunca quis se casar ou ter filhos? Ou mesmo uma vida independente, com um emprego que precisasse menos...

- Dedicação? - ela sorri, como se não fosse a primeira vez que pensasse nisso, mas, pelo contrário, o assunto lhe ocorresse uma vez ou outra.

- Isso.

- Às vezes - admite, sem o menor constrangimento. - Mas, na maior parte do tempo, eu adoro esse lugar, sabe? Se eu não trabalhasse aqui, não teria feito os amigos que fiz. 

- Judith entrou aqui pouco depois que a Sra Lancaster morreu - as palavras saem da minha boca antes que eu possa me dar conta. - Ela me disse isso, outro dia.

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