A Babá Perfeita romance Capítulo 56

Passo por Max, sentado no sofá da sala, mexendo distraído no celular, e me dirijo a Judith, que vem saindo da cozinha.

- Jud, eu vou dar uma volta. Avise ao Sr. Lancaster, por favor, que eu não tenho hora para voltar se ele perguntar.

Ela me encara apalermada.

- Chloe, o Sr. Lancaster está bem aí atrás de você.

Eu dou uma olhadinha para trás sobre o ombro. Max parece cansado. Exausto. Tem olheiras visíveis e uma expressão mau humorada no rosto. Dá para ver que não fui só eu que dormi mal.

Bem feito.

- Que bom. Então você não precisa mais avisar. Até logo, Jud.

O sol lá fora ainda é fraco, apenas um brilho discreto, mas eu já estou louca para senti-lo aquecendo a minha pele. Estou usando minhas roupas antigas - um jeans detonado e uma blusa branca podrinha que trouxe do final de semana com o meu pai - e sinto que, finalmente, sou eu mesma outra vez.

Em carne, osso e força de vontade.

Chega de babados, cor de rosa e saias plissadas. Viva o grunge dos anos 90!

- Você vai sair? - a voz de Max chama minha atenção. Eu paro no meio do caminho até a porta e me viro lentamente para ele, me observando com seus olhos azuis penetrantes.

- Vou sim.

- E vai demorar a voltar?

Eu inclino a cabeça para o lado.

- Bom, aí depende.

- Depende do que?

- Só da minha vontade.

Max respira fundo. Ele odeia ser contrariado. Levanta e vem caminhando na minha direção, depois de jogar o celular no sofá. Está um verdadeiro gostoso, com uma camisa cinza de malha e aquele moletom de cós baixo.

Eu preciso desviar os olhos antes de começar a me portar como uma cadelinha no cio.

- Chloe, não é prudente que você saia assim sem avisar para onde vai. Se te acontece alguma coisa, como vamos saber?

Ah, agora ele está preocupado? Francamente. Esse cara sofre de transtorno bipolar ou múltiplas personalidades?

Eu sorrio com um esforço admirável.

- Bom, eu vou tomar um sorvete.

- Sorvete?

- Sim, de repente me deu vontade de tomar sorvete.

A ruga entre as sobrancelhas, garante que ele está considerando a questão.

- Bom, e por que não pede para Abigail trazer nas compras?

- Porque eu prefiro agora - dou de ombros, controlando minha entonação de voz para desinteressada. - Não quero ter que esperar. Além disso, não vejo porque sair para tomar um sorvete deva ser motivo para um alarde...

- Não quer ter que esperar? - ele me interrompe. Os seus olhos se tornam sombrios. - Chloe você está grávida?

Os meus olhos arregalam e eu engasgo com coisa nenhuma.

- Estou... o que? Por que você....? Como assim?

Ele respira, bufando.

- Eu acredito que você saiba muito bem como, Chloe.

O meu rosto queima. Ele está me testando? É lógico que eu não estou grávida e ele tem que saber disso. Afinal, ele me viu tomar a pílula uma dezena de vezes pelo menos.

- Não há motivo para entrar em pânico, Sr Lancaster - asseguro, arrancando um revirar de olhos dele diante do uso da formalidade. - Estou tomando o meu remédio religiosamente, pode ficar tranquilo quanto a isso - ele abre a boca para dizer alguma coisa, mas eu não lhe dou a oportunidade. - Bom, estou indo agora. Tenho um dia lindo de sol para aproveitar - digo, lhe dando as costas.

- Chloe... - ele me chama.

Eu paro com a mão na maçaneta, mas não me atrevo a olhar para trás. Sua voz é atormentada, quase suplicante. Isso mexe comigo, é óbvio. Mesmo sendo um cabeça dura e um metido, eu amo esse desgraçado.

Ainda assim, enquanto Max não disser as palavras que eu quero ouvir - e que, aliás, mereço -, estou disposta a levar aquilo até as últimas consequências.

Minha voz nem estremece quando pergunto:

- O que?

Ele suspira alto, impaciente.

- Como o que? Você não me disse aonde vai.

- Vou ver uma amiga - dou de ombros, cheia de um prazer insano.

- Amiga? Que amiga? Você pode me dizer ao menos o nome dela?

Suas perguntas deveriam me deixar indignada. Mas não, elas só me divertem. Como é bom fazer Max sofrer quando ele está sendo um grande filho da puta cretino.

- E o que isso importa? - respondo, girando a maçaneta e saindo, não sem antes cravar mais um pouco a faca em seu peito. - Somos duas pessoas livres vivendo em um país livre. Não sei por que as minhas escolhas deveriam incomodar você tanto. Cresça, Max.

______________

Eu adoraria ter chamado Judith para passear comigo. Mas hoje não é o seu dia de folga, então simplesmente resolvi andar sozinha pelo Rockfeller Center.

As lembranças daquele dia com Max e as meninas ainda estão tão nítidas que parecem vibrar embaixo da minha pele. A cada lugar que eu passo, cada coisa que eu vejo, meu cérebro traidor fica se perguntando como seria se eles estivessem ali comigo, aproveitando o tempo.

Primeiro tinha sido Evie. Agora, Max. E até Abigail andava estranha... todos pareciam estar se afastando de mim, me apagando pouco a pouco da memória. Como se desejassem que eu nunca tivesse existido.

Eu afasto aquele pensamento para bem longe.. posso lidar com ele depois. Está fazendo um dia lindo e eu decido me proibir de ficar infeliz em um dia assim. Por volta das onze da manhã, o sol esquenta mais um pouquinho e eu até arrisco tirar o casaco.

- Chloe?

Eu olho sem reconhecer a menina negra de cabelo longo e trançado. Seus olhos são brilhantes e o sorriso aberto parece franco e cheio de alegria. Ao seu lado, um cara parece bem menos feliz. Ele arria quatro sacolas no chão e solta o ar com força pela boca.

- Ai meu Deus, Chloe! É você mesma? Você desapareceu - ela arregala os olhos, caminhando até mim, indecisa entre me abraçar e manter uma certa distância. Provavelmente porque eu não faço a menor ideia de quem seja e isso esteja estampado na minha cara. - Não está se lembrando de mim, né? Tudo bem, eu também quase não te reconheci. Você clareou o cabelo?

Eu passo a mão pelos fios, sorrindo. Estou feliz que alguém tenha notado. Pela manhã, Max não fez nenhum comentário a respeito. Não sei se ele não notou ou só estava fazendo a linha babaca de sempre.

- Ah, esse é o meu irmão Jeremy - ela aponta para o cara parado como uma estátua ao seu lado. Ele dá um passo para a frente e estende a mão na minha direção, que eu seguro. - Chloe e eu estudamos juntas. Na época eu não tinha as tranças - ela aponta para a cabeça, sorrindo quase coo quem se desculpa. - E usava aquele aparelho fixo. E o moletom largo. Enfim, eu era bem diferente.

De repente, a ficha cai e eu fico paralisada. Ai merda, é claro! Mia Towers. A menina que sentava na primeira fila e sabia todas as respostas na aula de ciências. Mallory adorava infernizar a vida dela. Quase sempre era eu que impedia as duas de se cruzarem.

- Meu Deus, Mia, você está tão diferente - eu exclamo e nós nos abraçamos, finalmente. - Como você vai?

Jeremy assiste tudo a distância. Assim como a irmã, ele é bem bonito. Seus olhos castanhos são amendoados e ele tem um sorriso doce e expressivo idêntico ao da irmã. Sua postura entediada, aos poucos, assume um ar interessado e ele passa a observar nossa conversa com uma certa curiosidade.

- Eu estou bem. Faço estágio em uma empresa perto daqui. Mas hoje estou em uma missão de salvação para esse garoto aqui - ela olha para Jeremy com um ar crítico. - Ele vai para a faculdade na semana que vem e precisa de umas roupas novas.

- Eu não preciso de nenhuma roupa nova - ele balança a cabeça e aponta para as sacolas. - Tudo isso aqui é dela, aliás. Só para você saber, ela é uma daquelas taradas por compras. Se conheceu a Mia na escola, vai ficar surpresa em ver que ela se transformou no Godzilla com sacolas de grife.

Eu sorrio, achando graça. Mia era a última pessoa que eu esperava encontrar essa tarde, mas preciso admitir que foi uma ótima reviravolta no meu passeio monótono.

- Ora, deixa ela se divertir - eu brinco, defendendo sua irmã. - Os homens não entendem que, às vezes, nós precisamos de uma distração. Não reclame das nossas compras e nós não reclamaremos dos seus joguinhos de tiro.

- É o que eu digo a ele sempre! - Mia incentiva - Hm, espera, não essa última parte. Mas eu gostei.

Jeremy atira a cabeça para trás e ri. O som da risada dele é gostoso e faz nós duas rirmos junto.

- Ei, por que você não vem com a gente? - Mia convida, com os olhos acesos de empolgação - Assim eu não preciso passar as próximas horas aturando esse ogro. E a gente aproveita para colocar o papo em dia. O que acha?

Não era a minha intenção passar o sábado entrando em lojas, mas Mia e Jeremy conseguiram se mostrar, em poucos minutos, a surpresa mais interessante do meu dia inteiro. Eu topo e passamos a andar os três juntos.

As ruas estão movimentadas, mas nada perto do alvoroço do Natal. Começamos um papo furado e eu descubro que Jeremy vai cursar Engenharia na NYU.

- Eu não acredito que esse pirralho já vai para a faculdade! - Mia provoca, mas eu vejo que está mesmo orgulhosa pelo brilho em seus olhos. - Um dia desses andava de fralda pela casa, destruindo minhas Barbies, e olha só agora.

Nós andamos, conversamos e, duas horas depois, estou esgotada. Jeremy tinha razão. Mia é louca! Eu nunca conheci ninguém que levasse meia hora para decidir entre duas marcas de rímel.

O meu corpo dói, minha boca está seca e eu não sinto mais as minhas pernas.

- Eu preciso ir.

- Ah, não- ela reclama com um biquinho. - Você não sabe como é horrível fazer compras só com o Jeremy. E olha, a gente nem conseguiu um guarda roupa novo para ele.

O irmão olha para ela, cético.

- Garota, você está se escutando? É a faculdade de Engenharia, não o America's Next Top Model.

Eu cubro a boca com as mãos dando uma gargalhada. Com certeza, essa implicância de irmãos entre Jeremy e Mia me divertiu bem mais do que as compras hoje.

- É sério, preciso ir. Mas agora você tem o meu telefone e pode me ligar - eu me inclino e dou um beijo nela. - Vamos combinar outro passeio.

- Vamos mesmo.

- Você veio de carro? - Jeremy pergunta.

Eu balanço a cabeça.

- Não, de táxi.

- A gente leva você.

Mia olha para ele, com as sobrancelhas erguidas.

- Não precisa, eu não quero atrapalhar as compras de vocês.

Jeremy arregala os olhos.

- As compras acabaram, não? Pelo amor de Deus, diz que acabaram - ele olha para ela em desespero.

Ela ri e bate no ombro dele. Então olha do irmão para mim com um sorrisinho que eu não sou capaz de decifrar.

- Bom, se a Chloe aceitar a carona, eu deixo você se safar dessa.

Eu fico em silêncio sem saber o que dizer e Jeremy se vira para mim, com os olhos brilhando.

- Ah! Agora você tem que aceitar a carona, Chloe. Você não vai me deixar na mão, né?

Eu coço atrás da orelha, de repente sem jeito. Ele não está me paquerando, está? Não, não pode ser. Jeremy é bonito, inteligente e tem um senso de humor ótimo, mas eu não sou do tipo de pessoa capaz de enrolar alguém quando não estou emocionalmente disponível.

E agora?

A ideia de chegar em casa com outro cara e provocar ciúmes em Max parece tentadora. Imaginar a cara de raiva dele, seus olhos azuis brilhantes, os punhos cerrados, a expressão sombria... não, Chloe. Você não é essa pessoa rancorosa e vingativa. Ou é sim, mas Jeremy não merece isso.

- Se você deixar eu te levar, eu juro que apago o seu telefone do celular dela - ele baixa a voz para um tom de confidência. - Assim você nunca mais vai ser obrigada a passar por esse sofrimento.

Eu aperto os lábios, sorrindo, e aceito o convite.

Estou decidida a não deixar as coisas passarem dos limites com Jeremy.

E o melhor de tudo, Max não precisa saber disso.

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