Stefanos
O corredor da ala principal estava silencioso demais. Cada passo meu reverberava entre os vitrais e as colunas como uma acusação sussurrada. As paredes pareciam mais estreitas, mais opressoras, como se ouvissem tudo o que eu não dizia.
Mas o que realmente pesava sobre mim…
Eram os gritos.
O som da voz de Nuria ainda ecoava nos meus ouvidos como uma lâmina enferrujada. O desespero cru. O medo rasgado na garganta. A forma como ela se encolheu no canto da cela, como se esperasse ser despedaçada a qualquer instante.
Aquilo não era encenação.
Não era fraqueza.
Era memória viva.
E meu lobo… rosnava.
Ele havia ficado inquieto desde que a deixei no quarto. Mas não por preocupação racional. Era algo mais instintivo. Primitivo.
Ela se acalmou assim que respirei perto dela.
Não foi a cela, nem o calor. Foi meu cheiro. Foi minha presença. Como se, de algum jeito, o lobo dentro dela soubesse que eu era um abrigo.
E isso...
Isso me corroía.
“Ela não é uma de nós.”
Minha mente insistia nessa sentença, fria como uma sentença de morte.
Mas meu lobo…
Ele ainda uivava por ela.
Eu a havia deixado no meu quarto, cercada pelo meu cheiro, minha presença, minha proteção, mesmo que não admita isso nem pra mim mesmo. Era a única forma de impedi-la de cair de novo naquele abismo onde ela mergulhava sozinha. O mesmo abismo que fez seus gritos atravessarem a casa como um apelo de alma partida.
A desculpa era simples: ali ela ficaria longe. Ali ela se acalmaria. Ali, meu cheiro dominaria os sentidos dela, a traria de volta à superfície.
Mas a verdade?
Nem eu acreditava mais nessa desculpa.
Porque por mais que minha razão gritasse que ela era um erro, uma mentira, um risco…
Tudo em mim gritava por ela.
E isso era o verdadeiro problema.
E foi por isso que decidi encontrá-la.
Diana.
Se alguém conhecia os bastidores da podridão onde Nuria viveu, era ela.
E eu sabia onde encontrá-la.
No corredor que dava para a estufa, lá estava , recostada contra uma das colunas, como se soubesse que eu viria. O robe de tecido leve deixava seus ombros expostos e as curvas estrategicamente destacadas. O sorriso no rosto era uma mistura de falsa inocência com desafio.
"Alfa..." Ela inclinou a cabeça com um brilho perigoso nos olhos. "Que surpresa! Estava apenas tomando um ar. Está tão abafado hoje."
"Quero respostas, Diana. E você vai me dar."
Ela riu, doce como veneno.
"Posso te dar tudo o que quiser, basta pedir."
Me aproximei. Não por atração. Mas por cálculo. Queria olhar nos olhos dela quando as máscaras começassem a cair.
"Como era onde vocês ficavam presas?"
Ela piscou, surpresa com a pergunta direta.
"Ah… é sobre isso que quer saber?"
"Fale, Diana." um rosnado baixo saiu de meu peito.
Ela ergueu uma sobrancelha, andou ao meu redor, deixando os dedos tocarem meu ombro. Eu permaneci imóvel.
"Escuras. Frias. Umidade no chão. Correntes nos pulsos. Algumas gritavam. Outras choravam. E algumas… apenas quebravam em silêncio."
"Você era uma delas?"
"Claro que não." Ela sorriu, fingindo ofensa. "Eu sabia jogar. Sabia me adaptar. Você acha que Solon era fácil de enganar? Não. Mas ele gostava de ser desafiado da forma certa."
"Já Nuria..." continuei, e vi os olhos dela cintilarem.
"Tempestuosa. Insuportável. Sempre tentando escapar. Sempre apanhando. Ela arrastava castigos pra todas nós com a teimosia dela."
Ela falou com um desgosto disfarçado, mas que transbordava pelas palavras.
"E você achava isso justo?"
"Não era questão de justiça, Alfa. Era sobrevivência. Lobas como ela… não duram. Mas de algum jeito, ela durou. E fez questão de nos lembrar disso. Todos os dias." Ela se aproximou mais, os olhos brilhando. "Você devia ter escolhido melhor a quem proteger."
"Não estou protegendo ninguém."
"Claro que está." Ela sorriu, confiante. "Ou você não estaria aqui, querendo saber do passado dela."
"Eu quero saber o que estou enfrentando."
"Nuria... nunca aceitou. Nem uma noite. Nem um toque. Nem um olhar. Era punida mais do que todas nós. Porque desafiava. Porque não gritava da maneira certa. Por que repelia o toque dele com fervor."
"Ela causava problemas?" perguntei.
"Ela lembrava Solon de que não era um Deus. E isso o enfurecia." A mais jovem entre elas suspirou. "Pagamos o preço por isso. Mas ela... nunca se importou."
"As correntes estavam sempre nos tornozelos e pulsos dela," completou Marta. "Às vezes, ela ficava dias presa por tentar fugir. E quando voltava... estava pior. Mas o olhar... nunca mudava."
Eu absorvia cada palavra.
Mas nada me preparou para a última.
"Solon a desejava mais do que qualquer outra. E odiava esse desejo. Era por isso que a mantinha. Era por isso que batia mais nela. Porque ela não se dobrava como Diana."
Assimilei toda a informação, meu lobo querendo emergir e ir atrás do desgraçado.
"Obrigado pelas informações. Se eu precisar de mais, volto a falar com vocês."
"Alfa, quando podemos ir embora?" uma delas perguntou, mas não respondi, me afastando, com a mente a mil.
Saí da casa das matriarcas com o peito mais pesado.
Agora, tudo fazia sentido.
As cicatrizes dela. O medo. Os gritos.
“Não era fingimento. Era memória cravada nos ossos. Pavor real, não o tipo que se inventa.”
Nuria não era uma ameaça.
Era uma sobrevivente.
E eu?
Eu a coloquei de volta na cela.
Como se ela já não tivesse vivido tempo demais presa num inferno que eu nunca entenderia.
Mas agora...
Agora era tarde para arrependimentos.
Ou talvez... ainda não.
E se ainda houvesse algo que eu pudesse fazer...
Ela nunca mais seria acorrentada por ninguém.
Nem mesmo por mim.

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