Nuria
Música do capítulo: “Audiomachine – Blood and Stone”
Estava sentada diante do espelho, finalizando a última trança do meu cabelo, quando a porta se abriu com força e Jenna entrou, esbaforida, como se o próprio lobo ancestral estivesse em seus calcanhares.
“O Supremo chegou!”
A escova caiu da minha mão.
“Não é possível...” sussurrei, arregalando os olhos.
“Ele chegou sem aviso, Nuria,” ela respondeu, a voz acelerada. “E o Alfa já está vindo ao seu encontro.”
Meu corpo reagiu antes da minha mente. As mãos tremeram no colo, os pés firmaram no chão como se pudessem me ancorar contra uma onda invisível. Sentir Stefanos tão perto era sempre um desafio. Não pela presença em si, mas pelo que ele despertava. Minha loba... ela não apenas reagia, ela ansiava. Queria cada olhar, cada gota de atenção daquele lobo, como se tivesse sido feita para ele. E talvez tivesse. Mas isso não mudava o fato de que não éramos parceiros. Disso, eu tinha certeza. E ainda assim...
Jenna já se virava para sair, abrindo a porta e...
Ele estava lá.
Parado na soleira, com a mão ainda suspensa no gesto de bater. Não disse nada. Apenas moveu-se para o lado, dando espaço para Jenna sair, e entrou sem pedir permissão, como se aquele quarto, como se eu, já lhe pertencesse.
Seu olhar percorreu meu corpo de cima a baixo. Não havia vergonha em seus olhos, nem pudor. Apenas desejo. Foco. Fome. Mantive minha postura erguida, fingindo uma segurança que não sentia.
“Pelo menos dessa vez o vestido é apresentável,” murmurei, tentando parecer indiferente.
Ele riu. Um som baixo, rouco, carregado de algo que arrepiou minha pele.
“Eu não costumo cometer o mesmo erro duas vezes,” respondeu, colocando as mãos no bolso e inclinando levemente a cabeça. “Muito menos com o objeto do meu desejo.”
A forma como disse aquilo fez meu coração tropeçar no peito. Desviei o olhar, tentando conter o rubor que ameaçava subir às minhas bochechas. Mas era impossível. Meu corpo sempre traía minha alma perto dele.
Então, ele se aproximou. Sem pressa. Como se cada passo fosse calculado para testar meu autocontrole. Seus dedos tocaram meu queixo com suavidade, erguendo meu rosto até que nossos olhos se encontrassem. Não havia frieza ali. Apenas intensidade.
“Por mais que eu quisesse aproveitar esse momento de um jeito... bem mais envolvente,” ele murmurou, com a voz arrastada. “O Alfa Supremo a espera. E quanto menos do meu cheiro em você, melhor será... para nós dois..”
Engoli em seco.
“Ele já sabe? Sobre meu sangue...” perguntei, num fio de voz.
Stefanos assentiu, sem desviar os olhos dos meus.
“Pelo que parece, todos os reinos já sabem.”
Fechei os olhos, tomada por um desânimo que queimava por dentro. O segredo mais bem guardado da minha linhagem... agora era uma bandeira tremulando no centro do campo de guerra. Eu estava exposta. E pior, eu estava sozinha.
Mas, ao que parecia, Stefanos sentiu a mudança em mim. Talvez tenha sido meu cheiro, ou a rigidez involuntária dos meus ombros. Ele se aproximou mais um passo, invadindo o espaço entre nós.
“Agora você tem um lobo de verdade que cuidará de tudo,” disse com firmeza.
Minha mão subiu instintivamente até o peito dele, pousando sobre o brasão prateado. Era firme. Quente. Vivo.
“Não é isso,” sussurrei. “Mas eu sei como me tornei a última milenar da Terra... e também sei o que aconteceu com as outras antes de mim.”
Aquela frase teve o efeito que eu esperava.
Stefanos endureceu, os olhos buscando os meus como se procurassem a verdade nas entrelinhas.
“E o que aconteceu?” ele perguntou, mais para si do que para mim.
Mas eu não respondi. Não era hora. Nem lugar.
"Não temos tempo para uma aula de séculos. Só saiba que não conseguirá, se não for o destinado."
Ele se afastou um passo. Depois outro. A tensão ainda vibrando entre nós como um fio invisível prestes a arrebentar.
“Não tem nada que eu não consiga,” disse por fim, já caminhando até a porta. “Vamos logo, não podemos deixar o Supremo esperando. E ainda temos uma lista de músicas para repassar antes da apresentação.”
Assenti, embora soubesse que a música não era o verdadeiro espetáculo daquela noite.
Eu era.
E, no fundo, Stefanos também sabia disso.

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