Stefanos
O ar dentro daquela casa era pesado, carregado de lembranças que não me pertenciam. Andar por entre os cômodos abandonados era como pisar em um santuário profanado. Tudo ali gritava o nome dela, mesmo no silêncio mais profundo.
Caminhei devagar, analisando cada centímetro do ambiente. O sangue seco ainda marcava o chão de madeira, escuro e ressequido, mesmo com o tempo. Havia sinais de luta, de arrasto… e de dor. Me abaixei ao lado de uma dessas manchas, tocando com os dedos. Não estava ali por acaso. Alguém sangrou até o fim.
"Rylan..." minha voz ecoou baixa. "Você disse que os corpos tinham sido deixados aqui. Por que não estão?"
Ele se aproximou, sem pressa, e parou ao meu lado.
"Na primeira vez que viemos," ele começou, cruzando os braços, "meus homens os encontraram. Estavam amontoados no centro da vila. Demos uma cerimônia digna a eles. Foram enterrados com honra."
Assenti lentamente, absorvendo a informação. Não confiava em muitos, mas Rylan sempre soube honrar os mortos. Ainda assim, o sangue no chão... aquilo permanecia como um lembrete brutal do que ela perdeu.
"Bom trabalho," murmurei. "Eles mereciam isso."
Rylan apenas assentiu.
Continuamos revirando tudo, armários caídos, gavetas vazias, livros mofados, mas não encontramos nada útil. Até que... algo estalou sob meus pés.
Pisei de novo no mesmo lugar. O som oco respondeu como um sussurro antigo. Olhei para baixo, franzi o cenho e me agachei. Uma tábua, ligeiramente solta no canto do quarto.
Rylan se aproximou e me encarou. Não precisei dizer nada. Ele se ajoelhou e puxou a madeira com firmeza. Um compartimento se revelou ali, raso, mas protegido do tempo.
Dentro, havia pilhas de livros, pergaminhos e manuscritos antigos, envoltos em panos desgastados. Os símbolos nas capas estavam apagados pelo tempo, mas algo neles pulsava… como se ainda vivessem.
"Isso não é coisa comum," ele murmurou.
"Coisa comum nunca seria suficiente pra explicar a Nuria, ainda não percebeu isso?"
Começamos a folhear com cuidado. O cheiro era de papel envelhecido e segredos guardados há séculos. Entre as páginas, desenhos, mapas, instruções… e símbolos da Deusa. Até que encontrei o que parecia um ritual de vínculo — uma profecia antiga, escrita em uma caligrafia firme e elegante, como se tivesse sido feita por alguém que sabia o peso do que escrevia.
Li em silêncio:
"Aquela que carrega o sangue da Lua não pertence ao mundo dos mortais.
Ela é a centelha da Deusa, a guardiã da cura e da ruína, nascida entre eras.
E somente o Escolhido poderá tocá-la por inteiro. Corpo, alma e destino.
Mas o vínculo sagrado exige mais do que desejo.
Ele deverá provar que seu instinto é verdadeiro e limpo de ambição.
Deverá proteger não apenas a loba, mas os frutos do ventre dela,
com a própria vida, se preciso for.
"Você fala como se fosse fácil. Mas isso aqui..." Ele apontou para o livro. "Não é só sobre força ou instinto. É sobre sacrifício. Sobre ser visto como ameaça pelos outros. Agora o Alfa Supremo está calado, mas se houver um herdeiro... um com sangue da Lua e com o seu sangue..." Ele fez uma pausa. "Ele pode temer essa criança. E começar uma caçada."
Ri, sem humor.
"Quero ver ele tentar."
Mas, no fundo, algo em mim se contorceu. Não por medo… mas por antecipação. Eu enfrentaria o mundo inteiro se fosse preciso. Ninguém tocaria nela, ou em meus herdeiros. Nossos filhos serão tão fortes que alcateias temerão cruzar o caminho deles.
Olhei para o relógio.
Merda.
"Quanto tempo temos?" Rylan questionou.
O visor brilhava no escuro.
Menos de duas horas.
Minha garganta apertou. Peguei o livro com a profecia e enrolei com cuidado. Havia muito mais ali, mas isso era o bastante por enquanto. O suficiente para encarar o que viria.
"Vamos. Ela me esperou até agora. E eu não pretendo chegar tarde."
Rylan assentiu, e juntos, saímos da casa que guardava o passado dela, levando conosco o nosso futuro.

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