A garganta queimava, como se cada palavra arranhasse por dentro.
Heitor apertou os olhos com força, tentando conter o turbilhão que o consumia.
Ele não era fruto de um amor. Era resultado de uma noite suja, regada a drogas, bebida e o corpo alugado de uma prostituta. A esposa daquele homem jamais aceitaria um bastardo sob o mesmo teto. Então ele cresceu sem pai, sem nome, sem história... jogado à própria sorte num orfanato onde aprendeu que ninguém se importa.
Até o dia em que ela morreu.
Foi só então que aquele homem apareceu. O mesmo que lhe deu o sobrenome. Que o tirou da miséria e o levou pra casa. Heitor acreditou que, finalmente, a vida estava lhe dando uma chance. Viu nele um herói. Um pai. Sua tábua de salvação.
E como todo menino carente de afeto, o amou cegamente.
Mas o destino — ou a perversidade — tinha planos cruéis. Porque aquele homem que o abraçou como filho, anos depois, roubou a única coisa que ele amou com a mesma intensidade.
A mulher que fez Heitor acreditar que o amor podia redimir qualquer passado.
— Ele... ele se deixou seduzir por ela... — sussurrou, a voz trêmula de raiva. — Ou talvez tenha seduzido ela. Eu nunca soube ao certo...
Ele se calou, respirando fundo, como se tentasse conter a avalanche de dor.
No fundo, ele sabia. Nenhum dos dois foi inocente. Mas também não foram os verdadeiros culpados.
A vida os jogou num jogo sujo, onde todos saíram perdendo. Ele, o filho ilegítimo. O pai, cego por carência e ego. Ela, dividida entre o afeto e a ambição. Todos vítimas. Todos marcados.
— Eu só queria... — ele murmurou, os olhos perdidos
— só queria que alguém tivesse escolhido ficar por mim. Só uma vez.
O silêncio do escritório era pesado. O passado nunca o deixava em paz.
E agora, havia Laura.
Ele fechou os olhos por um instante, e a imagem dela veio com clareza perturbadora: os olhos desafiadores, a postura erguida, a boca que nunca se calava diante dele, que não recuava nem mesmo quando ele a pressionava ao limite.
Era mais do que uma simples secretária. Muito mais.
Laura havia se tornado uma obsessão. Um vício que ele ainda não havia consumado, mas que corroía sua sanidade um pouco mais a cada dia. O fato dela enfrentá-lo — de ousar lhe desafiar — fazia seu sangue ferver de raiva… e de desejo.
Maldita mulher.
Era como se cada provocação fosse um convite silencioso. Cada discussão, um jogo de poder que ele secretamente adorava perder. Mas ele sabia — sabia com uma clareza quase dolorosa — que, no fim, ela teria que se render. Por escolha. Por vontade.
Cada gesto, cada palavra, cada olhar desafiador dela o perturbava mais do que deveria. Não era apenas atração física. Era obsessão. Desejo bruto. Fome contida por uma mulher que, mesmo sem perceber, o deixava à beira do descontrole.
Vestiu-se com elegância habitual: terno escuro sob medida, camisa preta, abotoaduras discretas. No rosto, a máscara de couro negro que usava sempre que ia ao clube — não por vergonha, mas porque o anonimato lhe dava liberdade. Ali, ele podia ser o que quisesse. Fazer o que quisesse.
E naquela noite, como tantas outras, faria de conta que era Laura quem se ajoelhava diante dele. Que era ela quem lhe suplicava por toque, comando, prazer.
Porque só assim conseguiria alívio. Só assim suportaria a distância entre o desejo e a realidade.
Ao sair, uma última olhada no espelho refletiu seu rosto impassível — exceto pelo olhar: escuro, intenso e faminto.
Enquanto Heitor atravessava os portões de um dos clubes mais exclusivos da cidade — discreto por fora, libertador por dentro —, Laura, sozinha em seu pequeno apartamento na zona oeste, não conseguia encontrar paz.
Havia tentado assistir a um filme, ler um livro, até lavar a louça acumulada, mas nada conseguia silenciar o tumulto dentro de si. Desde a discussão com Heitor, uma inquietação estranha parecia crescer em seu peito, como se algo estivesse prestes a acontecer… ou estivesse acontecendo, naquele exato momento, em algum lugar.
Sentada no sofá, abraçada a uma almofada, fitava o nada com os olhos marejados. Era raiva, sim. Mas também era confusão. Desejo. E medo.
“Por que ele me afeta tanto?”, sussurrou para si mesma, como se sua voz pudesse afastar os pensamentos proibidos que a atormentavam.
Era irracional.

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