Lorenzo Bianchi
A luz do sol me despertou antes da consciência. Aquela claridade morna, filtrada pelas cortinas brancas, invadia a sala com a delicadeza de um sussurro — e ainda assim, me atingia como um soco. Pisquei devagar, tentando entender onde estava. O teto era familiar. As texturas, os cheiros… Tudo me dizia que eu havia voltado.
Voltei?
O primeiro pensamento foi esse, mas a cabeça latejava. Um peso estranho pulsava atrás dos olhos, como se a noite anterior tivesse sido afogada em álcool, embora eu não conseguisse lembrar de mais de dois goles de vinho.
Vinho.
Camille.
Virei lentamente o rosto e ela estava ali. Dormindo, ou fingindo. Os cabelos claros espalhados sobre o sofá, os ombros nus à mostra, e o lençol puxado até a cintura, revelando a curva das costas que eu conhecia bem demais. Meu corpo estava entrelaçado ao dela — pernas, braços, calor.
Tudo gritava intimidade. Tudo parecia ter voltado a ser como antes.
Mas não era.
Minha mente girava em câmera lenta, como se eu estivesse tentando agarrar fragmentos de um sonho borrado. Lembrava vagamente da porta se abrindo… do vinho… da voz dela. Baixa, doce, calculada. Um toque em meu braço. Depois disso, apenas um apagão. Nenhum beijo. Nenhum toque real. Nenhuma escolha minha.
Merda.
Me afastei dela com cuidado, sentando na beira do sofá. O coração disparava, confuso, e o gosto seco na boca me dizia que havia algo errado. Muito errado. Peguei o celular da mesa de centro. Mais de cinquenta notificações. Mensagens de amigos, de colegas de faculdade, até de desconhecidos. E então, vi.
A foto.
Eu e ela. Abraços no sofá. Como se fôssemos um casal. Como se… não tivéssemos aguentado a saudade e fizemos amor ali mesmo.
— Não… — murmurei, ainda sem voz, como se meu próprio corpo não estivesse pronto para aceitar.
Abri as mensagens. Uma da Aurora, sem legenda, só o link da postagem. O silêncio dela gritava mais do que qualquer frase.
Levantei de uma vez, cambaleando. O chão parecia inclinar sob meus pés. Meus músculos ainda estavam lentos, minha percepção falha. Isso não era ressaca. Era outra coisa.
— Camille! — chamei, com a voz seca, raivosa.
Ela se virou lentamente, como se o mundo estivesse exatamente como deveria estar.
— Bom dia… meu amor, a nossa noite foi maravilhosa. — disse, com aquele sorriso tranquilo, como se fosse dona da manhã, da casa e de mim.
— O que você fez comigo? Por que você me drogou?
Ela se sentou, puxando o lençol contra o corpo, fingindo pudor.
— Lorenzo… você estava cansado. Só precisava de descanso. E… talvez, de um lembrete. De nós.
Me aproximei dela, o rosto duro.
— Acha mesmo que isso vai funcionar? Me drogar? Postar fotos como se tivéssemos… como se eu tivesse escolhido isso?
Ela não respondeu. Apenas me olhou, aquele olhar frio escondido por ternura ensaiada. Como uma atriz no último ato de uma peça em decadência.
— Você sempre foi bom com palavras — ela disse, suave. — Mas palavras não vencem imagens. E o mundo já viu a nossa. Nós voltamos, Lorenzo.
Senti o estômago revirar.
Ela me prendeu numa narrativa. Uma mentira de seda, bem costurada, impossível de desfiar sem me cortar.
— Isso não vai te trazer de volta pra minha vida, Camille. Vai só te enterrar ainda mais longe da minha memória.
Ela sorriu. Um sorriso vago, resignado.
— Talvez. Mas, por uma noite… eu fui a mulher que você amou. Ou que o mundo acreditou que você ainda ama. Às vezes, isso é o suficiente. Lorenzo, você só está confuso, pois esses dias na Toscana te fizeram querer voltar a ser aquele menino ingênuo. Mas, você é um homem… Um homem que sabe o que quer.
Vesti minhas roupas no silêncio mais amargo que já experimentei. Cada botão fechado era um lembrete da minha fraqueza. Cada passo em direção à porta, uma tentativa desesperada de me afastar daquela armadilha montada com perfume, vinho e passado.
Antes de sair, me virei uma última vez.
— Você pode manipular as redes, Camille. Mas não a verdade. E a verdade sempre encontra um jeito de aparecer.
Ela não disse nada. Apenas se encostou à cabeceira e fechou os olhos, como quem já havia aceitado o destino.
E eu saí.
O sol agora me queimava. As ruas pareciam mais ruidosas, mais cruas. Mas eu precisava daquilo. Do ruído. Da dor. Da realidade.
— Não me importo com o que é comum. Quero o processo iniciado hoje.
— Posso saber o motivo?
Respirei fundo, buscando uma explicação que não me expusesse mais do que o necessário.
— Estou sendo envolvido numa situação que compromete minha integridade pessoal e acadêmica. Preciso de distância. E de foco. A Itália pode me oferecer os dois.
Ele me analisou em silêncio. Sabia que havia algo por trás. Algo maior do que eu estava dizendo. Mas, para minha sorte, não insistiu.
— Isso pode levar algumas semanas. Não posso prometer uma resposta imediata.
— Uma semana. Façam o que for preciso. Eu pago. Eu assino. Eu desisto da bolsa. Só quero ir embora.
Ele assentiu, com um suspiro.
— Faremos o possível. Mas, senhor Bianchi… seja qual for o motivo, eu espero que não seja uma fuga. A geografia muda, mas os fantasmas sabem voar.
Fiquei em silêncio. Porque ele estava certo.
Mas não era fuga.
Era guerra.
Saí dali com a convicção enraizada nos ossos. Eu não deixaria que Camille ditasse os próximos capítulos da minha vida. E muito menos que aquela mentira fosse o rastro que eu deixaria no mundo. Ir para Florença era mais do que recomeçar. Era reencontrar a parte de mim que ainda não havia sido corrompida.
Na saída, tentei Aurora mais uma vez. Nada. Só o vazio intermitente da linha cortada.
Olhei para o céu. As nuvens se acumulavam. Um presságio, talvez. Ou só o mundo sendo mundo — caótico, imprevisível, cinza.
Mas, dessa vez, eu caminhava em direção à tempestade por escolha própria.
E dessa vez, não seria eu o envenenado.
Seria o veneno.

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