Se eu fosse uma pessoa vingativa, aproveitaria a oportunidade para fazer a Yanka sofrer tudo o que eu sofri. Eu poderia mentir, manipular, plantar dúvidas, sabotar a relação dela com o Rodrigo, e talvez até sentir algum prazer sombrio em ver ela passar pelos mesmos infernos que eu passei. Mas, eu não era esse tipo de pessoa, nunca fui.
A dor que senti não me transformou em um monstro, apesar de ter tido todas as chances de me tornar um.
Por muito tempo, esse assunto me corroeu por dentro. Foram dias e noites de insônia, perguntas sem respostas, raiva engasgada, gritos silenciosos sufocados no travesseiro. Eu passei meses tentando entender o que tinha acontecido, em que momento tudo desmoronou, e por que eu não consegui enxergar os sinais.
Eu me culpei, me questionei, me fechei. Mas naquele momento, ao encarar os olhos cheios de dúvida da Yanka, tudo o que eu queria era viver a minha vida da melhor maneira possível, e isso não incluía o Rodrigo.
Não havia mais espaço para ele nos meus planos, nos meus sonhos, nem nos meus medos. Eu já tinha chorado demais, me machucado demais, e me reconstruído aos poucos. A presença dele na minha vida era uma lembrança distante, como um livro fechado e esquecido na estante, que eu não pretendia reler.
A Yanka estava esperando uma resposta. Eu via isso nos olhos dela, nas mãos inquietas, no jeito como mordia o canto da boca.
Talvez ela esperasse uma revelação da minha parte, sobre meus sentimentos por ele, mas naquele momento eu precisava deixar ela segura. Eu precisava mostrar que eu não era uma ameaça, que eu não era um fantasma pairando sobre a relação deles. Eu precisava fazer com que ela entendesse que eu não seria uma pedra no sapato, que eu não tinha nenhuma intenção de interferir em nada. O que o Rodrigo sentia ou deixava de sentir por mim, não era problema meu. Era entre eles dois. E, sinceramente, quanto mais longe eu ficasse disso, melhor para mim e para o meu relacionamento com o Diego.
Respirei fundo antes de falar. Não queria soar defensiva, nem ressentida. Queria ser firme, verdadeira, e talvez até gentil.
— Olha, Yanka...
Comecei, olhando nos olhos dela.
— Eu estou apaixonada pelo Diego. Não sei se posso chamar o que sinto por ele de amor, ainda, mas é algo muito próximo disso. E vou falar apenas por mim, tá bom? Não existe nenhuma possibilidade de eu voltar com o Rodrigo. A nossa história já deu o que tinha de dar. Não existe mais confiança, não existe mais cumplicidade, não existe mais nada que poderia sustentar uma volta entre nós.
Ela me ouvia em silêncio, mas os olhos dela estavam cheios de emoções conflitantes.
— Se você sente que o Rodrigo ainda me ama, isso é algo que você deve conversar com ele. Mas, independente da resposta que ele te der, eu não quero ser culpada por nada. Eu estou vivendo a minha vida, estou me reconstruindo depois de tudo o que ele me fez. E seria muita burrice da minha parte se eu voltasse para quem me quebrou. Você não acha?
Me aproximei dela e segurei sua mão com delicadeza. Ela olhou para mim com uma mistura de surpresa e vulnerabilidade. Era como se ninguém tivesse falado com ela daquele jeito nos últimos tempos.
— Vai com calma, tá? Não entra de cabeça nisso de novo. Presta atenção nos detalhes. No menor sinal de descontrole, cai fora. Não deixa rolar do jeito que deixou antes, não entrega tudo de novo tão rápido. Você está me entendendo? A prioridade tem que ser você. A sua saúde mental precisa vir em primeiro lugar. Nós não somos amigas, eu sei. Mas eu não quero o seu mal. Toma cuidado. De verdade.
Ela começou a chorar. Primeiro de um jeito contido, silencioso. Depois, o choro foi crescendo, como se estivesse desabando um peso antigo. Eu entendia. Ela estava lidando com dúvidas que machucam, com memórias que assustam. Ela conheceu de perto um Rodrigo agressivo, desrespeitoso, instável. Eu também me sentiria assim no lugar dela.
Sem pensar muito, eu a abracei. Foi um gesto simples, mas necessário. Eu não podia fazer nada por ela além disso. A decisão era dela. O caminho que ela escolheria a partir dali seria construído passo a passo, com todas as consequências que viessem junto.
Enquanto ela chorava no meu ombro, eu fechei os olhos por um instante e agradeci a mim mesma por ter saído inteira daquela história. Ferida, sim. Mas inteira o suficiente para não desejar que ninguém passasse por aquilo de novo.
E, apesar de tudo, apesar de toda dor, traição e lágrimas... naquele momento, eu sabia, eu estava em paz.

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