Algo rachou.
Ela sentiu.
Não sabia se foi dentro dela ou dentro dele, mas alguma coisa trincou, como vidro sob pressão. River uivou de novo, um uivo ainda mais desesperado, e a pata travou no ar. As garras não desceram. Os olhos dele piscavam entre verde e vermelho agora, num padrão descontrolado. Verde. Vermelho. Verde. Vermelho. Por um segundo, Lyra teve certeza de que viu algo familiar surgir no meio daquela cor doente, um lampejo de reconhecimento, de dor que não era física.
— RIVER! — a voz de Atlas cortou o ar outra vez, mais aguda, quase falhando. — OBEDECE!
Atlas não aceitava, não podia aceitar que a antiga marionete dele tinha qualquer resistência, não suportava nada que o contrariasse.
Lyra sentiu que, se continuasse ali embaixo, seria esmagada, se River cedesse um centímetro àquele comando.
Por isso, aproveitou a brecha.
Reuniu o resto da força que tinha, cada fragmento, cada resquício de coragem e instinto. Com um esforço brutal, girou o corpo de loba debaixo dele, se encolhendo e torcendo, usando o próprio peso do supremo a favor. A pata que a prendia deslizou um pouco para o lado quando ele convulsionou de dor. Foi o suficiente.
Lyra se soltou.
Não totalmente, mas o bastante para escorregar por baixo dele num movimento rápido, sentindo as garras rasparem de leve pelas costas. A dor explodiu de novo, mas ela ignorou. Rolou na neve, levantando-se num salto, o corpo prateado manchado de vermelho, o peito arfando. River rugiu atrás dela, ainda preso nas próprias ordens, distraído demais lutando consigo mesmo para reagir na mesma velocidade de sempre.
Atlas não esperava aquilo.
Por um segundo, seu olhar vacilou entre o supremo que ainda resistia e a Luna, agora livre alguns metros à frente. Ele deveria ter reforçado o comando, mas o ódio o cegou mais uma vez. Em vez de reforçar a magia, ele avançou.
— SUA MALDITA! — gritou, furioso. — VOCÊ NÃO SABE A HORA DE MORRER!
Lyra viu a brecha clara como luz do dia.
Ele vinha na forma humana, o colar brilhava exposto no peito, preso por uma corrente grossa. A pedra esverdeada pulsava em sincronia com os tremores de River, como se estivesse fisicamente ligada ao supremo, como um coração falso comandando o verdadeiro.
O mundo se reduziu àquele brilho.
Ouviu, ao longe, as raposas ainda lutando. Ouviu as bruxas cantarem um coro potente, chamando vento e fogo, ouvindo Helena gritar o nome de Cecile, ouviu Amber uivar o nome de Tailon. Mas tudo ficou desfocado, a única coisa nítida era o peito de Atlas, a corrente, o colar.
Lyra correu.
Não correu como uma loba cansada, correu como uma Luna que estava prestes a perder tudo. Cada músculo queimava, cada costela protestava, mas ela ignorou a dor. As patas rasgaram a neve, jogando para trás flocos sujos de sangue. Atlas viu quando ela avançou, mas estava perto demais, confiante demais para recuar.
— NÃO ADIANTA, PRATEADA! — ele riu, erguendo o colar com a mão, achando que reforçaria o comando. — O SUPREMO VAI TE…
Ele não terminou.
Lyra saltou.
Foi um salto lindo e terrível. A loba prateada se lançou no ar, o corpo inteiro desenhando um arco perfeito contra o céu cinzento.
As garras acertaram primeiro.
Lyra atingiu o peito de Atlas com toda a força que tinha, as garras se enterrando na carne. Ele gritou, um grito mais de surpresa do que de dor. A força foi tanta que uma das garras se enroscou na corrente e num estalo baixo que quase não se podia ouvir, a corrente cedeu e o colar voou pelo céu.
A pedra esverdeada se desprendeu do peito de Atlas como se tivesse sido arrancada de dentro dele, não só da pele, mas do próprio espírito. Por um instante, o rei das montanhas cambaleou, os olhos arregalados, o sangue escorrendo onde as garras de Lyra tinham aberto trilhas vermelhas. Ele tentou segurar o colar de volta, mas foi tarde demais.

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Rejeitada: A Luna do Alfa supremo
Excelente pena que nao tem o livro impresso....
Muito bom! Livro excelente! História bem amarrada! Estou quase no final! Recomendo!...