Aquela era a consulta que descobriríamos qual era o sexo do bebê que estava na minha barriga. Alegria maior não havia.
Estávamos tão exultantes de alegria, que o médico pediu inclusive para que uma enfermeira trouxesse um copo de água para o casal a fim de que ficássemos mais tranquilos. Nós rimos e isso não diminuiu a nossa alegria.
Deitei-me e esperei que o médico colocasse o líquido gelado na minha barriga e então o aparelho de ultrassom. Quando a imagem do bebê apareceu, tanto eu quanto Karim suspiramos de alegria sem acreditar no que víamos. Foi o médico que esclareceu nossas dúvidas:
― É um menino. ― Nos entreolhamos cúmplices.
― Omar. ― Murmurei sorrindo.
― Omar. ― Repetiu Karim já quase entre lágrimas lembrando do irmão falecido.
― Ele está muito saudável. Podem ficar tranquilos. Acho que o futuro herdeiro da nação está aguentando bem as últimas novidades. ― Brincou Saiji e Karim e eu rimos.
― Sabe como é, ele puxou o pai. ― O médico não entendeu a referência, mas eu havia entendido. Karim lutara desde tenra idade para viver. Mesmo com a mãe tendo morrido, ele sobrevivera, ele se apegou ao fio de esperança de vida e seguiu em frente. Omar, mesmo diante das últimas atribulações, também lutava bravamente.
― Então é isso. Sua próxima consulta fica para daqui duas… ― Karim interrompeu a linha de pensamento do médico.
― É… Na verdade, as próximas consultas eu vou pedir para que seja no palácio. Vamos evitar que Karen saia um pouco. Ela corre um certo perigo. ― Saiji franziu o cenho.
― O que há? ― E Karim relatou ao médico o perigo que guardava em seu tio Aziz, querendo o trono de qualquer maneira. Felizmente, o médico concordou que a situação não era das melhores.
― Se vossa majestade arcar com os custos e despesas de movimentar uma equipe e os aparelhos até o castelo, não temos porque não fazer. ― Karim concordou.
― Então estamos acertados.
― Estamos acertados.
Voltamos para a mansão felizes e enquanto Karim continuava os seus estudos, principalmente com o pai e os apoiadores do pai dele, aproveitei para começar a pensar na decoração do quarto do futuro principezinho. Talvez azul, talvez verde. Ainda não havia me decidido.
― Qual cor você prefere, Omar? ― Perguntei acariciando a minha barriga.
Finalmente, depois da tempestade, eu estava enfrentando a bonança.
*
O tempo estava passando lentamente agora que eu ficava praticamente o dia todo sozinha naquele imenso palácio. Aproveitei para fazer alguns desenhos, encomendei alguns móveis para o quarto do bebê e pintamos a parede de um verde clarinho depois que Karim optou pela cor que lembrasse parte da bandeira do país. Uma homenagem à nação.
Estava com um catálogo de roupinhas de bebê que algumas senhoras que faziam roupas de bebê tinham deixado comigo, sentada confortavelmente numa sala das inúmeras salas que havia no palácio, aproveitando para que meus pés não ficassem tão inchados e por isso os deixava descansando no alto no outro sofá, quando vi uma empregada correr ao meu encalço para informar a presença de um visitante, mas para a minha surpresa o visitante daquele dia vinha logo atrás da ajudante.
― Você tem uma visita, sua majestade… Esse é o… ― E antes que ela pudesse completar, outra surpresa: O homem empurrou a mulher para o chão, minha ajudante caindo com tudo no chão também surpresa, enquanto o homem falava:
― Deixe que eu me apresento, sua majestade. ― Havia destilado de maldade e ironia no seu discurso. ― Eu sou Aziz, o tio do seu marido. Lembra de mim do seu casamento? Ou… ― Ele sorriu de uma maneira estranha, mas eu já estava de pé porque a minha primeira reação foi ajudar a moça que tinha caído a se levantar. Ainda que ela não quisesse ser ajudada por mim.
― Ou quem sabe você pode lembrar da minha querida esposa, Romeesa, que você fez questão de esconder? ― E agora havia raiva e ódio no discurso alterado.
Não me importei. Eu não me contaminaria com o discurso imundo daquele homem. Foi difícil levantar com a barriga já incomodando um pouco, mas ajudei Gaya a se levantar perguntando-lhe baixinho:
― Você está bem, Gaya? ― A moça assentiu várias vezes, corando de vergonha até o último fio de cabelo.
― S-Sim, sua majestade V-vou preparar um chá para o visitante. ― E embora eu achasse que aquela visita não devesse receber nem um copo com açúcar, concordei pelas boas maneiras e os bons princípios que corriam em minha veia.
― Chá preto, ouviu? ― Disse Aziz se intrometendo. Gaya assentiu saindo o mais rápido que pode. Aproveitei para dar uma boa olhada no meu visitante.
Aziz era bem mais alto do que eu e a barba tomava parte do rosto. Os olhos eram afiados, nada discretos na examinação das coisas e ele estava usando uma thobe branca como se fosse um homem respeitador da nossa religião. Que grande ironia ele estava passando desse jeito. Não deveria nem sequer se dizer muçulmano pela forma como vira a mulher dele toda machucada.
― E o que me diz? ― Ele perguntou. Franzi o cenho confusa.
― Sobre o que?
― Sobre o sequestro da minha esposa e do meu filho que você fez! ― Ele gritou exasperado. Por meio segundo, quase dei um passo para trás, mas me demovi rapidamente dessa tarefa. Eu não precisava me rebaixar ao nível dele. Ou, pelo menos, deveria fingir que ele não me abalava com suas gritarias.
― Eu não sequestrei ninguém. ― Foi a resposta mais inteligível que eu consegui fazer naquele momento. Aziz sorriu de lado. Ele estava me deixando desconfortável e sabia muito bem disso.
― Hum… Então está grávida daquela praga, é mesmo? ― Não o respondi. Até porque já era visível que sim. Para minha surpresa, como um leão a espreita da sua presa, Aziz começou a andar ao redor de mim fazendo um círculo como se estivesse averiguando alguma coisa.
Eu nunca fui uma pessoa de muita coragem e, por alguma razão, meu corpo não conseguia sequer se mexer naquele meio segundo. Era como se tudo ao redor de mim também estivesse rodando e o medo começou a se instaurar em cada uma das minhas células pensando na hipótese terrível de que Aziz poderia estar com uma faca prestes a me matar junto do meu filho como ele tentara fazer com a mãe de Karim.
― Essas ervas daninhas que não morrem… ― Ele comentou com nojo olhando para toda a minha figura como se pudesse me comer com os olhos.
― Porque não nos procurou na ilha? ― Talvez para ganhar tempo pressentindo que eu morreria naquele momento, decidi trazer outro assunto à tona enquanto esperava que alguém aparecesse para me salvar do Tio Aziz babaca. Felizmente, Aziz caiu na isca, já que soltou uma risada ácida antes de me responder:
― Não está claro ainda para você, Sua Majestade vadiazinha? ― Ele riu. ― Eu quero o trono e ele será meu. Com vocês vivos ou… ― E em um passo ele se aproximou das minhas costas, sua respiração muito próxima do meu pescoço, numa tentativa de causar medo na presa que estava sendo caçada. Meu coração quase não cabia no peito, querendo escapar a qualquer custo. Eu precisava agir, mas como se as minhas pernas simplesmente não estavam mais respondendo a nenhum dos meus comandos?
Isso não deveria ser algo a se fazer com uma mulher grávida.
Como se pressentisse o mal ao redor de nós, senti a primeira movimentação brusca que Omar fizera até então. Achava que ele ainda era muito novo para fazer qualquer movimento, mas eu sentira alguma coisa. Tinha certeza que sim. Omar estava pressentindo o meu medo ou talvez estivesse querendo salvar a mãe, ou, quem sabe, eram os meus hormônios me fazendo achar que ele tinha se mexido. Seja lá o que fosse, não tive tempo de pensar muito a respeito.
Antes que Aziz continuasse a falar e completasse sua frase com a palavra mortos, as coisas aconteceram rápidas demais. Em um segundo, Aziz estava atrás de mim, prestes a dar o bote, no outro segundo, ele estava grudado numa parede da sala, sendo levantado pela thobe por Karim que o prendia pelo colarinho. Sua face raivosa era algo que até então eu não tinha me atentado muito. Era bem amedrontador.
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