No quarto, Amber contava baixinho, apenas para preencher o espaço, histórias idiotas de quando as duas tinham oito anos e resolveram “acampar” na sala e quase botaram fogo no tapete com uma vela. Lua ouvia, meio sorrindo, meio ainda em lugar nenhum.
— Eu fiquei com medo — confessou, de repente, a voz engolindo coragem. — Não pelo que eu vi comigo, mas por vocês. Não quero ser o motivo…
— Ei — Tailon interrompeu, e era raro ele interromper. — O motivo de qualquer coisa aqui é quem escolhe fazer mal, não você. — Ele deu de ombros, grande e desengonçado. — Eu não sou bom com palavras, mas… você não é uma arma para o inimigo pegar, não é uma coisa é uma pessoa, uma loba ninguém pode vir, achar que é seu dono e te “roubar”, não vamos deixar.
Amber bateu no ombro dele, orgulhosa.
— Hã, fez curso de oratória nesse verão, foi?
— Cala a boca — ele respondeu, corando até a orelha.
Lua riu de verdade, pela primeira vez desde que acordara, o riso saiu curto, quebrado, mas ainda era um sorriso.
— Obrigada, vocês dois.
— Sempre vamos estar aqui — disseram, quase juntos.
A porta abriu de novo e Lyra entrou, River vindo atrás, pareciam mais calmos e Lua notou os olhares firmes e seguros, não sabia o que tinham conversado, mas sabia que eles tinham planos.
— Vamos ficar um pouco mais com você e depois vamos organizar as coisas — Lyra avisou, sentando-se ao lado da filha, os dedos procurando os dela. — Mas antes, a gente precisa combinar algumas coisas.
— Combinar o que, mãe? — Lua perguntou, se ajeitando na cama e vendo os outros dois ficarem sérios.
— Que você não põe o pé sozinha no jardim por uns dias — River disse, sem pedir desculpas pela regra ou pelo tom duro. — Vai ter sempre alguém com você. Eu preferia colocar Solomon de guarda na sua sombra, mas ele precisa ajudar lá fora. Então você fica com a Amber, Tailon e com duas lobas que eu confio de olhos fechados. — Olhou para a filha, deixando claro que aquilo não era debate e que não tinha espaço para discussão. — Se eu te pedir para ir para o abrigo na vila das bruxas por uma noite ou outra, você vai, se eu disser “corre”, você corre. Você pode me odiar nas próximas vinte luas; eu aceito, mas eu não aceito você ferida.
Lua abriu a boca, preparada para a velha teimosia vir a tona, a mesma que herdara dele, inclusive, mas a visão veio como uma maré fria e apagou a chama. Ela assentiu.
— Tá bom, combinado. — Desviou um pouco o olhar. — Mas… eu não quero me esconder sempre. — Levantou os olhos roxos para o pai. — Não posso viver presa, você sempre disse que lutou pra eu ser livre, lembra? — repetiu, com um meio sorriso a Tailon.
River piscou, surpreso, e um orgulho calmo apareceu no rosto duro.
— Claro que lembro.
— Eu também não.
Ele saiu, Lyra ficou um pouco mais, ajeitou o travesseiro da filha, deixou um beijo demorado no cabelo dela.
— Vamos dar um jeito — repetiu, com a calma de quem acende vela no meio do temporal.
— Vamos — Lua devolveu, e, dessa vez, acreditou um pouco.
Quando a porta fechou, a janela deixou passar um sopro de vento. Lá fora, a lua, ainda alta, ainda redonda, brilhou mais forte por um instante, como se piscasse para a loba-oráculo que, pela primeira vez desde que a visão chegou até ela, respirou sem dor.
No corredor, os passos de River ganharam ritmo. A alcateia já se mexia, mensageiros partindo para o norte e o sul, lobas ensinando as crianças as rotas seguras, guerreiros revisando as estratégias, bruxas sendo chamadas com urgência sob o pretexto de “uma colheita urgente de ervas que só nascem a noite”. Solomon surgiu no fim do corredor, e os dois se cumprimentaram com um olhar; não precisavam de palavras para saber que estavam pensando na mesma coisa: fechar cada brecha, manter cada coração batendo, transformar cada medo em movimento.
Longe dali, entre as montanhas, um rei coroado por si mesmo podia estar certo da vitória Mas, na Lua Sangrenta, cinco vozes, um alfa, uma Luna, uma loba-oráculo e dois amigos leais, diziam, cada um a seu modo, a mesma frase.
Vamos dar um jeito.

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Rejeitada: A Luna do Alfa supremo
Excelente pena que nao tem o livro impresso....
Muito bom! Livro excelente! História bem amarrada! Estou quase no final! Recomendo!...