O dia da lua cheia amanheceu pesado, denso, como se o céu tivesse prevendo o que aconteceria quando o sol fosse embora e a lua nascesse. A alcateia Lua Sangrenta respirava em ritmo de guerra: passos apressados nos corredores, cheiro de ervas, sons de ordens quase berradas pelos lideres da guarda, os mais fracos se organizando para se abrigarem na vila das bruxas, ouros repassando as rotas de fuga.
River já estava de pé antes do sol nascer, o corpo cansado pela falta de sono, mas mesmo exausto não conseguiria fechar os lhos e relaxar até sua filha estar segura. Um mapa aberto sobre a mesa, pinos marcando onde deveriam fortificar a proteção, desenhos de setas marcando as rotas de fuga.
— Quero batedores a cada duzentos metros, principalmente no norte — ele disse, o tom frio e que não deixava espaço para discussões. — Duplas, sempre, nada de heróis solitários. A bandeira cinza é o sinal de que estão aqui, se a virem, não chamem, não rosnem: recuem, avisem e esperem ordem.
Solomon assentiu, braços cruzados, expressão dura. Ele era o espelho prático do que o alfa desenhava com palavras.
— Colocamos trincheiras? — perguntou.
— Duas linhas — River respondeu, tocando o mapa com o indicador. — Uma disfarçada na borda do bosque de pinheiros, outra mais recuada, já no perímetro do jardim externo. Quero lanças enterradas, pontas para fora, e redes no alto, equipadas com sinos. Se Atlas vier pela mata, a floresta vai contar pra gente antes de qualquer soldado.
— Acha que isso tudo vai funcionar mesmo? — o beta perguntou, um sussurro para que ninguém mais ouvisse a conversa deles.
River apenas suspirou, sem coragem para falar aquilo com todas as letras porque… Porque achava que não, tinha certeza que nada impediria Atlas de chegar até eles e que, quando ele chegasse, tudo o que poderiam fazer era lutar.
Do lado, Petra conferia uma lista de nomes com as líderes dos grupos femininos. As lobas mais velhas treinaram meninas e mães durante a semana; hoje seria o dia em que elas precisariam por os conhecimentos em prática, pois seriam a frente de defesa da vila das bruxas.
— Refúgio da vila das bruxas preparado — Petra avisou, sem levantar a voz. — Três casas abertas, túnel de ligação pronto, comida para dois dias. Se a coisa desandar, o sinal é o sinalizador azul que vamos apontar para o céu.
River assentiu e, por um segundo, o olhar perdeu a superfície do mapa e mergulhou em si mesmo. O gosto amargo da noite em que matou o mensageiro: sangue na boca, o estalo do pescoço, a cara arrogante do lobo amarelado perdendo toda a vida. Não se arrepender era uma espécie de disciplina nele; hoje, contudo, o arrependimento batia como martelo.
“Fui rápido demais.”
Mas uma lembrança ferveu por cima dessa voz: a ameaça sussurrada contra Lyra. “Talvez ele deixe a Luna viver.” O vermelho riscou a vista dele de novo. Não. Podia se culpar pelo que aquilo provocaria em Atlas, podia reconhecer que aumentara o fogo, mas jamais se perdoaria por deixar um insulto desses passar. Já tinham arrancado Lyra dele uma vez, lembrar de Caliu com as garras no pescoço dela dezoito anos atrás era um pesadelo, não deixaria que ninguém a ameaçasse novamente.
Lyra entrou na sala, os olhos prateados cansados, mas firmes. Se aproximou em silêncio e tocou o ombro dele com leveza.
— Você precisa respirar, querido.
— Respiro quando tudo isso acabar e você e nossa filha estiverem seguras.
— Hoje à noite — Lua cochichava, apressada. — A troca de turno é às nove. A gente encontra aqui, pega o que falta e desce.
— Tá — Tailon respondeu, voz grave tentando ser discreta e falhando. — Eu verifico o túnel antes, pra ver se não tem nenhuma armadilha nova.
— E eu separo os remédios — Amber disse, respirando curto. — Comida, material para os curativos, já deixei tudo na bolsa que arrumei ontem.
O coração de Lyra afundou e, ao mesmo tempo, acendeu. A mistura exata de orgulho e pânico que só mãe sente. A vontade de invadir, de proibir, de trancar portas, quase a empurrou pra dentro.
“Não agora.”
Ela segurou a respiração e recuou um passo, precisava ver o que estavam tramando com clareza antes de chamar River ou tudo ficaria ainda mais caótico.
“Minha filha…”, pensou, mordendo o lábio e se afastando da porta, suspirando pesadamente “O que você tá tentando fazer?”
Voltou pelo corredor sem fazer barulho, enquanto, do outro lado, o trio fechava detalhes.

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Rejeitada: A Luna do Alfa supremo
Excelente pena que nao tem o livro impresso....
Muito bom! Livro excelente! História bem amarrada! Estou quase no final! Recomendo!...