— Senta — Tailon falou, firme. — Antes de qualquer coisa, a gente vai limpar esses cortes, alguns Lua já tratou mas tem que deixar todos limpos antes da lua cheia acabar. — Apontou para os dardos retirados e os arranhões, muitos que ainda sangravam pouco. — Se você desmaiar, nem se juntar os três vamos conseguir te carregar.
Caleb soltou um som que poderia ser um riso e obedeceu. Sentou no chão e apoiou as mãos nas coxas, como quem se prepara pro que vem. Lua abriu a mochila, tirou a maleta de primeiros socorros,daquelas brancas, com cruz vermelha na tampa, e espalhou no banco bambo: soro fisiológico, clorexidina, algodão, gaze, faixa elástica, pomada antibiótica, tesourinha, pacotinho de analgésico, uma caixa de anti-inflamatório, curativos adesivos e uma seringa de 20 ml para lavar feridas.
Amber veio com duas garrafas de água e o cobertor mais limpo que achou entre os que haviam ali. Tailon vasculhou o canto, achou um balde de plástico e trouxe para perto.
— Vai arder — Lua avisou, molhando a gaze no soro. — Não me morde.
Caleb só assentiu e ficou imóvel. O primeiro toque da gaze na pele dele o fez prender a respiração. A prata deixava um rastro de queimadura que o soro não apagava, Lua trabalhou com cuidado de quem monta uma coisa delicada no escuro: limpar, pressionar, soltar, limpar de novo, aplicar pomada, cobrir, fixar. A cada choque de dor, Caleb soltava um rosnado baixo, mas não puxou o braço, não afastou a perna, não saiu do lugar. Quando a gaze chegou numa ferida mais funda na costela, ele fechou os olhos e, de repente, começou a imitar a respiração dela: inspirar longo, expirar lento. Lua percebeu e, sem dizer nada, sincronizou, a dor diminuiu um pouco, ou talvez só tenha ganhado um ritmo suportável.
— Assim — ela sussurrou. — Isso.
— Lu… a. — ele disse, encarando-a com os olhos vermelhos um pouco menos selvagens.
— É — ela sorriu, meio boba. — Sou eu.
Amber terminou de arrumar o cobertor e, quando se virou, Caleb a encarava. Não como fera, mas como irmão. Eles nunca tiveram a chance de ser próximos, a maldição nunca deixou que ele fosse muito próximo de ninguém.
— Me… Des… cul… pa — começou, e parou, os olhos encheram, uma lágrima grande, quente, desceu, abrindo caminho pela sujeira da pele. — Eu… não… con… se… gui…
Amber segurou o pingente com uma mão e, com a outra, encostou no rosto dele. Foi estranho e lindo ver a mão pequena cobrindo uma face tão grande e ferida.
— Eu sei — repetiu, dessa vez com a voz inteira. — Não tenho raiva de você… Sei que a maldição não é culpa sua.
E de fato não era mas nenhum dos dois sabia com certeza disso porque esse segredo morreu junto com a mulher que os teve. Camilla foi morta pelo filho que condenou para se salvar, por isso nunca o odiaria por isso, onde quer que estivesse agora.
Tailon se levantou e foi até a entrada. A fenda pela qual tinham passado não era óbvia, mas olhos bons encontram tudo. Ele recolheu galhos secos, um punhado de folhas grandes, pedras soltas. Puxou de dentro da mochila uma cordinha e um canivete multiferramenta. Em poucos minutos, tinha feito uma espécie de biombo camuflado, travando a fenda com pedras que pareciam naturalmente caídas. Deu dois passos para trás, avaliou, voltou, reposicionou um galho, ajeitou uma folhagem. Se não soubesse que havia uma caverna ali, não veria.
— Ficou quase perfeito — disse, satisfeito. — Se a gente apagar a lanterna e falar baixo, dá pra passar batido.
— Ótimo — Amber respondeu, puxando uma caixinha de plástico com snacks. — E… eu trouxe barrinhas. Ninguém vai desmaiar de hipoglicemia hoje.
Lua riu, abriu uma e deu a Caleb. Ele cheirou, desconfiado, então ela mordeu primeiro, mostrando. Ele mordeu depois, miúdo, como se sua boca não combinasse com aquele gesto pequeno. Mastigou devagar. O rosto dele, por um segundo, pareceu o de um menino.
— O que você tava comendo esses dias? — Tailon mastigou a barrinha e viu a fera dar de ombros.
— C… ca…ça — respondeu Caleb e todos os três torceram o nariz.
A madrugada veio fria, eles apagaram as lanternas e ficaram só com a lâmpada portátil no modo mais fraco, virada para a parede. O mundo lá fora virou ruído longínquo: vento, um uivo distante, algum animal de hábitos noturnos. Não tinham como contatar ninguém, celulares descarregados e sabiam que ainda não podiam voltar pra casa.
Amber fechou os olhos forte, duas lágrimas novas. Ela sabia que seu irmão estava falando da noite em que el matou Camilla, em que n~]ao conseguiu se controlar.
— Ela te amava — disse. — E… eu… ainda te amo. — a frase saiu trêmula, mas inteira. — Não sei… como… faço isso, mas faço.
Caleb baixou a cabeça, a respiração profunda ficando um pouco mais lenta enquanto um guincho baixo e triste escapou de seus lábios.
— Des… cul… pa. — a palavra, em boca monstruosa, pareceu tão humana que doeu.
— Eu sei.
Silêncio, só o vento ajeitando poeira no chão e a respiração de Lua, mansa, encostada nele. Amber ficou olhando a ponta do próprio tênis e depois o pingente nas mãos.
— Eu vou botar uma correntinha nova quando a gente voltar — ela disse, como quem faz um combinado com o futuro. — E vou deixar no seu canto, tá?
Caleb assentiu, devagar, afinal, era a única lembrança que tinha da mãe. Amber tinha fotos, tinha toda uma alcateia que lembrava da sua luna… Mas ele, ele tinha só aquele pingente.
Tailon, da entrada, observava o corredor de pedra e, ao mesmo tempo, pensava no pai, na mãe, nos guardas com quem treinou nos últimos meses, na cara de River quando algo sai do plano, na calma feroz de Lyra. Apertou o canivete no bolso, como se aquilo fosse alguma forma de promessa.
— Eles vão aguentar — disse, mais pra si mesmo, num sussurro. — E eu vou deixar todo mundo aqui seguro…

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Rejeitada: A Luna do Alfa supremo
Excelente pena que nao tem o livro impresso....
Muito bom! Livro excelente! História bem amarrada! Estou quase no final! Recomendo!...