Jully respirava com dificuldade, o corpo suando frio, a pele pálida demais para uma loba. Cecile segurava a mão dela, apesar de estar em silêncio, seu olhar não negava o desespero que sentia muito menos o medo. Lua e Amber trocavam olhares aflitos enquanto Tailon preparava o pouco de água que tinham.
Bertil se aproximou de novo, ajoelhando ao lado da mulher inconsciente, agora olhando-a mais de perto e com mais atenção. Passou os dedos sobre o pulso dela, depois encostou a orelha em seu peito, ouvindo o ritmo fraco do coração dela.
O rosto dele ficou tenso enquanto ouvia e suas sobrancelhas se uniram assim que se afastou.
— O corpo dela está lutando contra alguma coisa — murmurou.
Solaris, que observava de perto, se abaixou, encarando o irmão com preocupação. Bertil não costumava se aproximar facilmente das pessoas.
— É algum veneno?
— Não… — Bertil respondeu, balançando a cabeça. — É outra coisa. — Ele pressionou a barriga de Jully com cuidado, e ela soltou um gemido rouco, quase sem força. No ar, um cheiro que o olfato mais sensível das raposas captaram no mesmo instante se espalhou… Cheiro de morte. — Ela está morrendo porque tem algo dentro dela.
— O quê? — Lua se aproximou um passo.
Bertil hesitou, medindo as palavras enquanto apalpava com mais cuidado a barriga de Jully, movendo as mãos com delicadeza.
— Bertil é um dos médicos do nosso grupo, nossa mãe ensinou a ele tudo o que ela sabia, conhecimento passado por gerações, sabe? Ele sente cheiro das doenças, acreditam nisso? — Solaris comentava, explicando porque com certeza acharia esquisito um estranho apalpando uma garota assim do nada.
O rapaz olhou para Jully por mais um instante encarando-a com um olhar de puro pesar e acima disso, dor. Não era pena, era um sofrimento puro e doloroso que refletia nas iris douradas de Bertil enquanto a olhava. Então, sua voz soou:
— O corpo dela… está segurando um bebê morto.
O silêncio caiu como pedra. Cecile soltou a mão da amiga, cobrindo a boca com as duas mãos, o rosto desabando em lágrimas.
— Não… — ela balbuciou, negando com a cabeça. — Não…
Amber levou a mão ao peito, o estômago revirando, Lua fechou os olhos, tentando segurar o choro e Tailon desviou o olhar, sem saber o que dizer.
— Isso está causando uma infecção grave — continuou Bertil, firme, mesmo com a voz embargada. — O corpo dela tenta expulsar, mas está fraco demais. Se não fizermos nada, ela não chega à noite.
Cecile caiu de joelhos, soluçando.
— Esse bebê… — a voz dela mal saía — era dele, não era? De Atlas…
Solaris abaixou a cabeça em respeito.
— Ele fez isso com ela… — Cecile murmurou, entre soluços. — Ele tirou tudo dela, até isso… Eu devia… Devia ter feito alguma coisa… Mas eu só…
Bertil ficou quieto, apertou os punhos, respirando fundo, sabia o quanto aquela lembrança devia doer e nesse momento entendeu que o rei das montanhas era mais cruel do que tinha ouvido falar muito mais.
Lua colocou a mão no ombro de Cecile, tentando confortá-la pelo menos um pouco.
— A culpa não é sua… Vocês duas estavam indefesas presas a um monstro não tinha como defendê-la, ou você morreria e ela ficaria sozinha… Você fez o melhor que pode, Cecile.
— Eu sei… — respondeu, chorando. — Mas… ela é minha irmã. E aquele desgraçado quase matou ela.
Jully se mexeu, gemendo, a febre aumentava, a respiração curta e rápida.
Solaris olhou para Bertil.
— Conseguimos tirar isso aqui?
— Não. Não sem os instrumentos certos. Se eu tentar aqui, ela morre antes que eu consiga terminar. — Ele levantou os olhos. — Precisamos levá-la pro nosso acampamento. Lá eu e os outros médicos poderemos fazer algo.
Tailon olhou em volta, nervoso.
— Sair daqui agora é perigoso. Os batedores de Atlas ainda estão por perto e, além disso, nós mal conhecemos vocês.
— Os batedores vão voltar — Solaris rebateu, firme. — Já devem ter sentido o cheiro da infecção. O sangue atrai eles e os cães de caça. Se ficarem aqui, vão achar vocês em pouco tempo, e se ela não for vai morrer. A única opção de vocês é confiar em nós.
Lua assentiu.
— Então não temos escolha.
Cecile levantou o rosto, os olhos inchados de chorar.
— Ela aguenta a viagem?
— Eu não sei — Bertil respondeu. — Mas se ficarmos, ela morre com certeza. Precisamos tentar.
Quando viraram a última curva, uma enorme rocha se estendeu na frente deles e, entrando nela andaram mais alguns minutos até ver a melhor coisa que viram durante aqueles dias. Havia um lago cristalino no meio, ao redor dele, tentas, bancos, uma fogueira alta, lâmpadas elétricas, pessoas indo e vindo tinha de tudo. As tendas estavam organizadas em círculos, com lamparinas elétricas presas em varas e fios que se conectavam a pequenos geradores portáteis. Mais ao fundo podiam ver entradas para outros locais que nã sabiam o que era, tudo muito bem organizado. Era simples, mas aconchegante. Havia raposas em forma humana andando de um lado para o outro, cuidando de feridos e limpando armas, ensinando crianças e cozinhando.
Ao todo, deviam ser umas vinte, fora as crianças, e todas pararam ao ver o grupo. O som das conversas cessou, e por um instante o silêncio pareceu pesar.
Solaris ergueu a mão, chamando atenção.
— Está tudo bem! São amigos. Precisamos de ajuda médica!
Uma mulher mais velha saiu de uma das tendas maiores. Cabelos grisalhos, olhos dourados vivos, um colar de pedras claras no pescoço. A pele tinha marcas de idade, mas também parecia jovial, sua aparência era de uma mulher muito bonita na casa dos 55 a 60 anos, mas com certeza era muito mais velha do que isso.
— Renee — Solaris disse, aliviada. — Voltamos, e trouxemos eles.
Renee se aproximou devagar, avaliando o grupo com um olhar sério. Seus olhos pararam em Lua, ela ficou em silêncio por alguns segundos, e um leve sorriso surgiu.
— Eu sabia que a deusa mandaria você até nós — disse, com a voz calma. — A loba-oráculo.
Lua arregalou os olhos, surpresa.
— Você… me conhece?
Renee assentiu.
— A deusa da Lua falou comigo em sonhos. Disse que uma filha dela viria buscando abrigo, e que, quando ela chegasse, eu deveria ajudá-la, nós deveriamos. — Olhou para Caleb, depois para Jully inconsciente. — E parece que o destino trouxe mais do que eu esperava.
Solaris fez sinal para que colocassem Jully sobre uma maca improvisada. Bertil se ajoelhou ao lado dela, já preparando o material médico.
— Vamos cuidar dela agora mesmo — disse Renee, com firmeza. — Ninguém mais vai sofrer nas mãos daquele rei maldito.
Lua a observou em silêncio, no teto da caverna havia uma abertura que deixava a luz da lau entrar, bonita e prateada iluminando o lago banhando tudo com sua luz prateada.
Renee se virou para ela, pousando uma das mãos sobre seu ombro.
— Seja bem-vinda ao refúgio das raposas, criança da lua. Você chegou exatamente na hora certa.
E, pela primeira vez desde que fugiram da Lua Sangrenta, Lua sentiu que talvez tivessem um pouco de esperança.

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Rejeitada: A Luna do Alfa supremo
Excelente pena que nao tem o livro impresso....
Muito bom! Livro excelente! História bem amarrada! Estou quase no final! Recomendo!...