— Eu não trago exército pra uma missão que posso fazer sozinho — ele disse. — Só duas mãos.
Dois vultos saíram da sombra como se surgissem da casca das árvores, máscaras de tecido cobrindo o rosto, luvas até o cotovelo, botas de sola macia. Lyra não ouviu as passadas bem treinadas. O veneno no braço começou a latejar, subindo em ondas pelo ombro.
— Ai, Lyra, Lyra… — Atlas riu. — Você sempre cuida de todo mundo, menos de você.
Os dois homens avançaram, e Lyra recuou um passo, o joelho fraquejando de um jeito que não parecia cansaço, era como se seu corpo estivesse apenas desligando lentamente. O dardo. Ela pôs o pé firme e jogou o peso do corpo contra o primeiro, torcendo o pulso dele até ouvir o estalo, ouvindo o homem arfar, mas o outro já estava atrás, travando o braço dela pelas costas. Lyra tentou quebrar a clavícula com a nuca; ele calculou a distância e desviou a tempo.
— Me soltem! — Ela cuspiu as palavras, a voz vibrando no ar. — Me soltem agora!
Os dois sentiram, era o dom dela, o pânico plantado direto no estômago, fazendo com que os dedos dos homens tremessem. Um deles arfou curto, a respiração descompassou e Atlas estreitou os olhos.
— Interessante — comentou, quase divertido. — Mas não suficiente.
Ele fechou a distância em dois passos, a mão grande fechando na garganta de Lyra. Não apertou de cara, só segurou, o rosto dele ficou perto, o hálito quente e errado.
— Você é a única que eu respeito aqui — ele disse, baixo. — Porque não quebra sozinha. Tem que quebrar você e o que você ama, é mais difícil.
— Você não respeita nada — Lyra respondeu, a voz rouca, mas limpa. — E eu não vou quebrar!
— Vai sim. — O sorriso voltou, mínimo. — Eu só preciso encontrar o ponto certo.
Ela tentou morder Atlas, mas os dois atrás a imobilizaram. O veneno subiu outra onda, a visão, de novo, duplicou. Havia dois Atlas, depois três, depois um só, a fazendo engolir a vertigem. O corpo pedia para mudar, a loba embaixo da pele rosnava, pronta para arrebentar cada junta e sair e Lyra tentou arrastar o instinto para a superfície e bateu em algo que não entendia, o veneno estava segurando a transformação. Duas camadas de bruxaria misturadas à química.
— Não vai se transformar, Luna — Atlas informou, satisfeito. — Hoje, não. Hoje você vai de pé.
— Você tem medo. — Ela sorriu, sem dentes. — Veio com truque porque sabe que, no braço, perde de novo.
— Eu te deixei levantar, da outra vez — ele disse, como quem fala da chuva. — Hoje não vou te dar a chance, loba prateada.
Lyra jogou o peso para frente, fingindo cair, e torceu a cintura no último segundo, o cotovelo acertou o queixo do homem da esquerda, o joelho subiu no plexo do da direita, os dois vacilaram e ela avançou o braço para Atlas, e foi quando ele apertou.
O aperto no pescoço não foi total, mas foi o suficiente para cortar o ar por um segundo. O mundo piscou preto e voltou, mostrando que doía mais no orgulho do que na garganta, ela pensou, mas o corpo já não obedecia à cabeça com a precisão que sempre obedeceu. A droga queimava nas veias, segurando força, confundindo reflexo.
— Covarde — Lyra cuspiu, e dessa vez saiu sangue. — Teme me enfrentar sozinho, porque sabe que perderia, porque já perdeu.
O sorriso sumiu por completo.
— Eu cansei — Atlas disse, simples.
— Tirar a Lua de rota qualquer óbvia — Ela segurou a mão dele sem perceber. — Mas eu… — a voz quebrou pela primeira vez — eu não tô sentindo ela mais, Solomon, não tô.
Solomon a puxou para um abraço rápido, daqueles que não tem nada de delicado e tudo de necessário.
— A gente vai achar. — Ele respirou fundo contra o cabelo dela. — Escuta: você mantém cabeça fria, é o que ela faria e é que nós vamos fazer. — Ele soltou devagar, olho no olho.
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No escuro úmido de uma clareira, Atlas se agachou ao lado do corpo desmaiado de Lyra. A Luna respirava, não fundo, mas constante. As pupilas, por baixo das pálpebras, tremiam em sono errado e o veneno fazia o serviço com precisão.
— Amarrem ela — ele ordenou, de pé de novo, sem olhar para os homens. — Rápido.
— O rei vai levá-la para o acampamento? — um deles perguntou, voz baixa.
— Sim — Atlas respondeu, o olhar perdido no topo das árvores, e um sorriso pequeno cortou a boca. — Hoje eu deixo o recado: ninguém está fora do meu alcance, nem a grande loba prateada.
Atrás dele, a mata continuou calada, como quem prende a respiração.

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Rejeitada: A Luna do Alfa supremo
Excelente pena que nao tem o livro impresso....
Muito bom! Livro excelente! História bem amarrada! Estou quase no final! Recomendo!...