O acampamento de Atlas parecia uma ferida aberta pulsando no escuro. Tendas rasgadas de guerra, tochas cravadas na terra vermelha cuspindo chamas e fumaça, armas empilhadas em suportes improvisados. O chão, pisado por centenas de patas e botas, tinha o cheiro ácido de suor, metal e sangue. Ao centro, sobre um círculo de pedra carbonizada, erguiam-se duas hastes grossas, unidas por correntes de prata tão espessas que lembravam colunas; preso nelas, o Supremo.
River não era River.
A forma de Lycan dominava todo o espaço, uma presença monstruosa, músculos marcados por cortes recentes, feridas deixadas por Caleb, pelagem escura empapada de sangue, presas sujas. E, ainda assim, a pior parte não era a violência, nem a imensidão do corpo contido, era o olhar. Os olhos que um dia foram brasas vermelhas de sanidade e fúria agora estavam de um verde morto, turvo, obediente. Não havia reconhecimento, não havia resposta, apenas a respiração pesada de um animal adestrado.
Atlas passeava diante dele como um rei entediado diante de um troféu, sem camisa, com o colar brilhando no peito, a pedra viva que pulsava num verde venenoso, acompanhando o batimento de um coração que não era dele. Quando Atlas se movia, a joia reagia, um brilho rápido, uma ordem muda atravessando o espaço e cravando nos olhos do Lycan a obediência absoluta.
— Olhem. — a voz de Atlas cortou o burburinho do acampamento, um sorriso lento abrindo-se como lâmina. — O poderoso Supremo!
Risos sujos, assobios. Dois soldados jogaram ossos no chão, como se esperassem que o monstro pedisse esmola. Um terceiro, mais ousado, atirou um pedaço de carne para ver se ele avançava. River apenas respirou, o peito subindo e descendo, os músculos retesados de dor sob o bracelete de prata que o prendia pelos pulsos e pelo pescoço.
Atlas se aproximou até ficar tão perto que o hálito quente do Lycan riscou seu rosto.
— Vamos ver se ele é um bom cachorro. — falou, com um sorriso cruel. — Sente, cãozinho — ordenou.
A pedra do colar brilhou e o monstro sentou no chão.
O alfa das montanhas soltou uma risada sem humor e, sem aviso, desferiu um soco no focinho do Lycan. O estalo dos nós dos dedos contra os ossos ecoou pelo círculo de pedras. River nem tentou desviar, o sangue escorreu devagar pelo pelo escuro; as narinas se arregalaram num ronco curto, mas nenhum rugido veio.
Nada.
Apenas o olhar verde e vazio, fixo onde Atlas mandava fixar.
— Viram? — Atlas ergueu os braços em triunfo, teatral. — Um cachorro!
As gargalhadas aumentaram. Flechas foram erguidas como brinde, copos batidos contra escudos. Um dos guerreiros se aproximou com um balde d’água e, num gesto rápido, despejou tudo sobre a cabeça do Lycan, como quem lava um estábulo.
— Agora, que tal rolas? — Atlas falou de novo, divertido.
River obedeceu.
Não da maneira humana, não com dignidade. O corpo gigantesco rolou no chão até voltar a mesma posição de antes sentado. O som do metal estalando foi acompanhado por uma onda de satisfação nos olhos de Atlas, o colar brilhou mais uma vez, faminto.
— Ajoelha. — mais baixo, só para ele.
O monstro dobrou as patas lentamente, o gesto teria sido grotesco, se não fosse tão… triste. A cabeça enorme baixou alguns centímetros, o pescoço apertado pela argola de prata. O alfa das montanhas acenou com o queixo para um arqueiro.
— Joguem coisas. — disse, simples. — Ele não morde sem minha ordem.
Pedras pequenas, ossos, comida velha, a humilhação veio em punhados. River ficou ali, parado, cada impacto fazia vibrar os músculos tensos das costas, cada provocação se perdia na respiração pesada, aquela respiração de besta que só sabe esperar a próxima ordem.
Um murmúrio diferente cortou o riso dos soldados.
Do outro lado do círculo, amarrada a um poste com corrente de prata nos pulsos e tornozelos, “Lua” se debatia. A pele delicada já tinha marcas vermelhas onde o metal queimava; os braços tremiam de esforço. O cabelo branco, destruído pela sujeira da estrada e pelo toque bruto dos guardas, caía em fios desalinhados, colando-se nas têmporas pelo suor. E aqueles olhos de oráculo, tão iguais e ao mesmo tempo tão… outros. Porque não era Lua.
Era Renee, enterrada sob o feitiço que a moldava, deixando-a exatamente igual a loba oráculo. Por enquanto, ninguém havia percebido a farsa ainda.
— Para! — ela gritou, a voz rasgando. — Para com isso!

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Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Rejeitada: A Luna do Alfa supremo
Excelente pena que nao tem o livro impresso....
Muito bom! Livro excelente! História bem amarrada! Estou quase no final! Recomendo!...