O primeiro raio de sol atravessava delicadamente a fresta da cortina rendada como um sussurro dourado que dançava sobre os lençóis amarrotados. O quarto ainda guardava o silêncio sagrado da madrugada recém-partida, mas tudo ali exalava vida. O perfume da terra molhada, que vinha da plantação logo atrás da casa, misturava-se ao aroma suave de lavanda que impregnava os travesseiros e a pele ainda quente dos corpos enlaçados. Do lado de fora, o riacho murmurava sua canção calma, como um velho amigo que assistia à cena com reverência, anunciando que aquela manhã não era como as outras, era o recomeço de algo sagrado. Era o dia em que o amor havia despertado com eles.
No centro daquela intimidade acolhedora, Isabella dormia enroscada ao peito nu de Lorenzo, como se seu corpo houvesse sido moldado para aquele espaço, para aquele exato encaixe. O rosto sereno repousava sobre o braço dele, uma das mãos espalmada sobre o abdômen masculino, como se, mesmo inconsciente, ela ainda quisesse certificar-se de que tudo era real. Que ele estava ali. Que ela não havia sonhado com aquela entrega. O lençol os cobria até a cintura, revelando parte da nudez, da confiança, da entrega silenciosa de quem, depois de muito resistir, se permitiu simplesmente amar.
Lorenzo, diferente dela, já estava acordado.
Seus olhos permaneciam fechados, mas a mente estava desperta, não com a pressa dos compromissos de sempre, nem com os pesos habituais, mas com uma paz tão genuína que ele quase não reconhecia. Pela primeira vez em muito tempo, talvez pela primeira vez desde que perdeu a mulher que acreditava ser seu único destino, Lorenzo sentia-se inteiro. Vivo. Livre. O calor da pele de Isabella aquecia não apenas seu corpo, mas uma parte da alma que ele pensava estar morta para sempre.
O cheiro dos cabelos dela era um misto inebriante de lavanda, desejo e ternura. E cada vez que ele inspirava, sentia-se ainda mais preso àquela realidade. Seus dedos tocavam de leve as costas nuas dela, sem movimento, apenas em presença. Apenas em pertencimento. E nesse silêncio, Lorenzo soube. Soube que não havia mais volta. Que havia chegado o momento em que o medo cede lugar à coragem. Que o passado enfim soltou as amarras e permitiu que o futuro começasse. Ali. Naquela cama. Naquele quarto. Ao lado dela.
Mas o destino, travesso e poético, tinha outros planos para aquele momento.
Do outro lado do corredor, passos pequenos, descalços e apressados ecoaram pelo assoalho antigo da fazenda. Tinham a leveza de quem ainda não conhece o peso do mundo, e a urgência de quem tem o coração guiado apenas pelo afeto. Aurora havia despertado no quarto ao lado, como sempre fazia ao primeiro sinal de luz, e instintivamente caminhou até o lugar onde sabia que encontraria quem mais amava: Sua tia Isa.
Ela empurrou a porta com ambas as mãos miúdas, fazendo-a ranger suavemente, e parou na soleira, estagnada. Seus olhos azuis, duas pedrinhas de céu cristalino, arregalaram-se com a cena que presenciou. Isabella e seu pai estavam na mesma cama. Abraçados, dormindo juntinhos.
O coraçãozinho dela bateu mais rápido, como se tivesse acabado de descobrir um segredo precioso. Um brilho saltou em seu olhar, e sem hesitar, como só os puros são capazes de fazer, Aurora correu até a cama e se jogou entre os dois com um pulo que encheu o quarto de vida.
— BOM DIA, TIA ISA! BOM DIA, PAPAAAII!!! — gritou, risonha, a voz ainda rouca de sono, mas carregada de alegria contagiante.
Isabella despertou num sobressalto suave. Os cabelos desgrenhados caíram sobre o rosto, e o coração acelerou. Levou alguns segundos para entender onde estava, o que acontecia e, principalmente, o que Aurora havia acabado de presenciar.
— Aurora! — exclamou, entre um riso e um suspiro, os olhos piscando com rapidez, as bochechas queimando. — Meu Deus… você acordou cedinho, meu amor!
Lorenzo, ao contrário, continuava sereno. Abriu apenas um dos olhos, depois o outro, e sorriu com preguiça e plenitude. Era como se tudo aquilo, a filha pulando na cama, Isabella ao seu lado, o sol entrando pela janela, fizesse parte de um sonho que ele sempre teve, mas só agora se permitiu viver.
— Hmm… bom dia, minha princesa. — murmurou com a voz rouca, puxando a filha para seu peito com um movimento instintivo, como se aquilo já fizesse parte da rotina deles.
Aurora soltou uma gargalhada cristalina, o som mais doce que aquele quarto já conhecera. Lorenzo começou a beijar sua filha, cada parte do rostinho: a bochecha fofa, a pontinha do nariz, a testa morna, o pescoço que fazia cócegas. Aurora se contorcia entre risos.
— Para, papai! CÓCEGAAAAS! — ela gritava, rindo tão alto que fez Isabella perder completamente qualquer resquício de embaraço.
A babá sentou-se na cama, puxando discretamente o lençol até os ombros. Seus olhos brilhavam. A cena diante dela era tão perfeita, tão completa, que doía no peito. Aurora rindo. Lorenzo sendo pai com leveza. E ela… no meio dos dois. Não como espectadora, mas como parte daquilo.
E então veio o gesto.
Lorenzo a olhou.
Seus olhos encontraram os dela com uma ternura tão profunda que Isabella sentiu o ar escapar dos pulmões. Sem dizer nada, ele se inclinou e a beijou. Foi um beijo simples, lento, mas carregado de um significado impossível de conter. Um beijo que dizia: “acabou a fuga”. Um beijo que prometia: “eu estou aqui agora”.
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