Lorenzo Velardi
A água do chuveiro descia pelas minhas costas com a força de uma catarata, como se quisesse arrancar da pele o resto de febre que ainda latejava sob os músculos. Ruborizava, escorria, esfriava… mas não levava nada embora. O desejo continuava em mim, rente à carne, preso à memória do meu próprio gemido. Isabella… maldita Isabella.
Fechei os olhos, tentando me concentrar apenas no som do jato d’água. Mas bastava a cortina de vapor para que tudo se projetasse diante de mim com nitidez cruel: aquele suspiro que escapou dos meus lábios, o primeiro desde que aprendi, a duras penas, a fechar todas as portas para o prazer. Quis acreditar que era apenas uma descarga fisiológica, um alívio rápido.
Mentira.
Foi um desespero lento, ardente e cheio de rosto: o dela, com aqueles olhos enormes que me acusam sem dizer palavra.
Quando finalmente torci o registro e o silêncio engoliu o box, percebi o quanto ainda tremia. Não de frio, de resistência. Enrolei a toalha na cintura e encarei o espelho embaçado. Atrás da névoa, um homem que já se julgou inabalável fitava-me de volta, cansado, excitado, confuso, quase à beira do colapso.
“Controle, Lorenzo. Sempre controle.”
Palavras de meu pai, gravadas em ferro quente na minha cabeça.
Não deseje o que não pode ter. Não se renda ao que pode destruir. Não fraqueje, jamais diante de empregados, jamais diante da família. E, acima de tudo, nunca dê ao coração a chance de falar mais alto que a razão.
Mas a razão não tem cheiro. E, quando abri a porta do banheiro, a razão sofreu a primeira derrota da manhã.
O quarto estava mergulhado em um silêncio aveludado, quase cúmplice. E havia no ar uma vibração estranha, um murmúrio sem som, como se uma presença invisível tivesse se esgueirado por ali e saído às pressas. Bastou inspirar para senti-la: um perfume doce, floral, discreto, absolutamente dela.
Isabella preferia essências suaves, quase infantis, mas o efeito em mim era devastador. Ela podia atravessar o corredor inteiro e, ainda assim, eu reconheceria a marca de sua passagem.
Meu olhar varreu o cômodo. A bandeja do café repousava sobre a mesinha de canto, perfeitamente arrumada. Marta jamais traria o serviço sem avisar e, mesmo que o fizesse, jamais o deixaria naquele ponto exato da carpete persa. Ela sempre o coloca à direita, não à esquerda. Detalhes que só um maníaco pelo controle repararia e o maníaco era eu.
Aproximei-me tocando o bule de prata, ele ainda estava morno. Uma corrente elétrica subiu pelo meu braço, não tateei porcelana, tateei evidências.
Alguém esteve aqui.
A ficha caiu como chumbo. O arrepio que percorreu minha coluna não era apenas de alerta, trazia também uma ponta de antecipação quase doentia. Levei a mão à maçaneta. Ainda quente. Há minutos, talvez segundos, meus dedos não foram os únicos a apertar aquele metal.
Inspirei devagar segurando o ar.
O cheiro dela entrou nos meus pulmões como contrabando. Uma parte de mim quis sorrir pelo atrevimento, a outra ficou trancada em pavor: se ela me viu… se viu tudo… o que pensará de mim?
Vergonha e tesão. Duas garras cravadas na mesma ferida. Eu, Lorenzo Velardi, acostumado a dominar a mesa de negociações, a fazer diretores de multinacionais suarem antes de assentirem, agora… suava sozinho, enrolado numa toalha, por causa de uma babá de sorriso tímido e coragem suicida. Nenhuma amarra aguenta esse tipo de vergonha.
Meu corpo respondeu antes da mente: o coração acelerou, bombeando sangue para baixo, ignorando o medo. A toalha se tornou um escudo fino demais para esconder o reflexo endurecido do meu desejo. Ele latejava como se zombasse da minha moralidade.
Pensei em Aurora, na alegria impossível de ouvir a voz da minha filha, depois de meses de silêncio, graças a Isabella. Pensei em Letícia, na culpa que ainda me entope os pulmões quando lembro daquele carro, do sangue, da promessa quebrada de protegê-la. Pensei nos meus negócios, na reputação, no imperativo de não misturar poder e prazer.
Tudo inútil.
Cada argumento racional tombava como soldadinho de papel quando o perfume dela se infiltrava em mim. E então veio a pergunta que incendiou o pouco juízo restante:
“E se ela não fugiu? E se ficou à porta, em silêncio, olhando cada centímetro da minha vergonha… e gostou?”
A fantasia rasgou meu autocontrole com a delicadeza de uma lâmina japonesa. Vi Isabella parada na soleira, com os olhos arregalados, as bochechas ruborizadas, a respiração falha e, nos lábios, aquele toque de inocência confusa que me faz querer corromper cada pedaço dela. Vi suas mãos se fechando na saia do vestido, as coxas pressionadas, o peito arfando. Vi e desejei tanto que a toalha ameaçou ceder.
Um rugido baixo escapou-me da garganta. Mal reconheci a própria voz. “Controle, Lorenzo.” Eu precisava de distância, precisava vestir-me, precisava de linhas claras. Eu era o patrão. Ela, a babá. Havia contratos, aparências, vidas em jogo, sobretudo a vida de Aurora, que finalmente encontrara paz nos braços de Isabella. Arruinar Isabella seria arruinar minha filha. E eu jamais perdoaria a mim mesmo.
Basta.
Respirei fundo, xinguei em pensamento, deixei a xícara na bandeja. Fechei os punhos. Fuja, Lorenzo agora, antes que ela volte, antes que entre por aquela porta para perguntar se o café agradou.
Dei um passo em direção à saída do quarto e, sem querer, meus olhos pousaram na cama ainda desfeita. A almofada cinza exalava o mesmo perfume suave. Ela esteve perto. Tão perto que minha pele formigou só de pensar. As imagens vazaram outra vez, Isabella, com as mãos delicadas arrumando a colcha, inclinada, a curva das costas, o vestido roçando na parte interna das coxas…
Chega!
Passei as mãos pelos cabelos úmidos e saí do quarto, batendo a porta forte demais. O barulho ecoou no corredor, um lembrete brutal de que eu ainda mandava ali. Ou tentava mandar. Porque naquela manhã, pela primeira vez em muito tempo, descobri que havia um território inteiro onde o meu poder não valia nada.
Enquanto caminhava, a gravata semi-feita balançando, jurei a mim mesmo que manteria distância. Que me fecharia no escritório, que tomaria compromissos fora, que evitaria almoços em família. Qualquer coisa para fugir do perfume dela. Qualquer coisa para não descobrir o gosto da pele que carrego nos sonhos.
Mas, lá no fundo, onde a voz moral não chega, outro Lorenzo , um mais sombrio, mais honesto, sussurrou que era tarde. Que eu podia correr até o fim do mundo, mas o fogo já estava aceso. E Isabella era o oxigênio perfeito.
Eu não queria acreditar nisso. E, ao mesmo tempo, queria tanto… que acreditei.
— Se ela me viu, então o destino já foi selado.
Com um suspiro que misturava alívio e frustração, desci as escadas e percebi que a única fuga que planejei havia falhado. Porque o perfume continuava impregnado em mim como uma promessa insolúvel.
E promessas, na minha vida, custam caro.
Caro demais para serem quebradas…ou para serem cumpridas.
E esta era a ironia perfeita: Para proteger a todos, eu devia mantê-la longe. Para salvar a mim mesmo, eu devia tê-la por perto. E eu ainda não sabia qual dessas mortes, a dela ou a minha, seria mais fácil de suportar.

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