John
O amanhecer chegou cedo demais para John Walker. A noite havia passado em silêncio, longa e insone. Apesar do cansaço físico, o sono não veio e quando veio, foi agitado. Levantou antes mesmo do despertador tocar.
Tomou um banho demorado, como se a água pudesse dissolver os pensamentos que insistiam em permanecer. Vestiu-se com calma: terno cinza escuro, camisa branca bem passada, gravata em tom semelhante, a rotina de sempre, agora sem propósito definido.
Diante do espelho, mal reconheceu o próprio reflexo. Os olhos estavam opacos, sem brilho. A expressão, dura. Estava visivelmente mais magro e sua postura já não era a mesma de antes, havia perdido algo além do peso, talvez o orgulho, talvez a convicção. Desviou o olhar. Encarar aquele homem era encarar verdades que ele preferia evitar. Queria mudar. Mas não sabia por onde começar.
Desceu as escadas em passos lentos, atravessando o silêncio da casa. Passou pela sala de jantar e, por instinto, olhou para a mesa. Não havia mais café recém-passado, nem os pães, bolos, torradas e geleias que costumavam esperá-lo. Por um breve instante, ele quase sentiu o aroma do café, como uma memória teimosa que o fazia apertar os olhos numa tentativa de reviver o que já não existia.
Na cozinha, encontrou tudo impecavelmente arrumado, mas sem vida. Serviu-se apenas de um copo de água. Os potes de mantimentos que Elizabeth havia deixado na geladeira haviam acabado e a geladeira praticamente desabastecida.
Desde que Elizabeth partiu, John mal se alimentava pela manhã. No começo, passava a manhã sustentado por várias xícaras de café. Mais tarde, por insistência de Bruce, pediu para que a cozinha da empresa preparasse algo. Afinal, ele precisava comer. Precisava continuar.
John deixou o copo vazio sobre a pia e, sem pressa, pegou a pasta de couro no hall de entrada. O motorista já o aguardava do lado de fora, como sempre.
Antes de entrar no carro, o motorista o cumprimentou educadamente:
— Bom dia, senhor Walker.
— Bom dia, Spencer. — respondeu com a voz rouca e grave.
Spencer franziu o cenho. Geralmente ele nunca respondia.
Durante o trajeto até a sede do Grupo Walker, John permaneceu calado, observando a cidade acordando pela janela do carro blindado. O movimento das pessoas indo trabalhar, o som distante de buzinas. Tudo seguia seu curso natural, como se nada tivesse mudado. Mas para ele, tudo havia mudado.
Quando chegou ao prédio, a mesma rotina, desceu do carro ajustando o paletó com um gesto automático. O porteiro o cumprimentou com um polido “bom dia”, que ele retribuiu com um leve movimento de cabeça. Passava pelos poucos funcionários que cruzavam seu caminho com passos firmes e sem notar ninguém, nem mesmo Carol que pegava o telefone discretamente para ligar para Anne.
Bruce
- Você não vai mesmo me contar o que está acontecendo com o senhor Walker? - Perguntou Anne a Bruce
- Anne, você não costuma ser curiosa assim. Assuntos particulares do senhor Walker não lhe dizem respeito.
Anne olhou para ele como quem implorasse por respostas.
- Dizem por aí que é algo sobre a esposa fantasma dele que ninguém vê? - Insistiu Anne.
- Acho que você precisa de um gato. - Bruce falou em tão divertido.
- Um gato?!
- Sim para você cuidar das sete vidas dele e deixar de se preocupar com a vida dos outros.
O telefone da mesa de Anne tocou e imediatamente ela atendeu, já sabendo do que se tratava.
- Ele chegou! - A notícia se espalhou como fogo em palha seca no andar da presidência e as pessoas ficaram tensas na expectativa da chegada do presidente.
O elevador abriu e John caminhou a passos largos, o semblante sério e taciturno, ignorando os “bons dias”, como sempre, mas ninguém ousava não cumprimentar o presidente.
John imaginava o que comentavam quando ele terminasse de passar: A esposa que ninguém nunca viu.
— Bom dia, senhor. — cumprimentou Anne ao vê-lo entrar.
— Bom dia. Peça a cozinha para preparar ovos mexidos com bacon e torradas com geleia, agora e mande servir na minha sala. — respondeu sem sequer erguer olhar para ela.
— Sim, senhor. — Já havia alguns dias que o chefe pedia pra servir o café da manhã na sala.
Anne estranhou, John geralmente tomava café em casa. “Estranho… muito estranho” pensou ela. Rapidamente ligou para a cozinha passando a solicitação do presidente.
Ao chegar no escritório, John jogou a pasta sobre a mesa e sentou-se pesadamente na cadeira.
Bruce entrou logo atrás dele.
— Alguma novidade?
— Nenhuma, senhor — respondeu Bruce com visível desânimo. Aquela era, sem falha, a primeira pergunta de todas as manhãs.
O assistente esperou, atento ao semblante sombrio do chefe.
John suspirou profundamente, passou a mão pelo rosto cansado e ficou por um momento encarando o nada.
- Sim senhor.
Bruce saiu em seguida, precisava pressionar a equipe.
Bruce
Ao chegar na sala de Inteligência. Encontrou Carlson analisando novamente as imagens do dia do desaparecimento da senhora Walker. Buscando novos detalhes, alguma pista por menor que fosse.
O resto da equipe monitorava as câmeras da cidade, inclusive as com reconhecimento facial. Devido a influência de John e a colaboração de sua empresa de IA com o governo, a equipe podia contar com acesso às câmeras.
Bruce olhou para a equipe concentrada. Eles sabiam muito bem quem estavam procurando. Mas ninguém perguntava ou questionava. O contrato de sigilo e discrição que assinaram trazia uma cláusula duríssima para quem a descumprisse e aliado a um alto salário fazia com que ninguém questionasse. Eles estavam procurando uma pessoa desaparecida.
Bruce chegou perto de Carlson, que ao perceber sua presença deu um suspiro.
- Já revisei essas imagens milhares de vezes e nada. Interrogamos o taxista, ele trabalha para a empresa há dez anos. Não tem nenhuma ligação com a senhora e nem com ninguém que a conheça. O cara tá limpo. Ele descreveu exatamente o que as imagens mostram. A senhora fez a reserva no dia anterior e ele a levou até o ponto de ônibus. Onde a deixou;
- Ela queria ser filmada até entrar no ônibus?
- Exato. E em que ponto ela desceu, não sabemos. Tem três locais que não tem câmeras e outros dois que não estavam funcionando. Provavelmente ela desceu em um deles. Talvez tenha pego outro táxi ou alguém a estava esperando. Também interrogamos o motorista do ônibus, ele não recorda. Neste horário o ônibus fica lotado de pessoas indo para o trabalho.
- E quanto ao senhor Saints e a noiva? O senhor Walker tem certeza que eles têm algo a ver com o desaparecimento.
- Estamos monitorando eles por vinte e quatro horas. Nada de anormal.
- E encontraram algum registro em nome da senhora com o nome de solteira.
- Nada. Somente aquela conta encerrada onde ela sacou todo o dinheiro. Nenhum cartão de crédito, nenhum registro em hotéis, passagem de avião ou ônibus. Nada.
- Era como se evapora-se.
Bruce olhou pensativo. O plano parecia simples, mas conseguiu ludibriar uma equipe altamente treinada e tecnologia de ponta.
- Continue. Me passe um relatório do que tem até agora. O senhor Walker está ficando impaciente..
Carlson o olhou sério e apenas assentiu com a cabeça.

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Amargo Contrato de Casamento
Olá, quero deixar aqui meus sinceros parabéns por essa linda história, eu amei. Que Deus abençoe vc e toda a sua família...
História linda e emocionante como a fé e o amor são capazes de transformar vidas....
Maravilho...