Capítulo 272 – Muito especial
Elena
A dor está aqui, e sei que ela nunca mais vai embora. Mas estou tentando ser forte o suficiente para, quando a Maria descobrir sobre a morte dos nossos pais, eu ser o que ela precisa.
Enzo Mancini. Mesmo depois da nossa briga e do que ele me fez, a cada segundo me lembro do motivo de amá-lo, e nesses mesmos segundos… eu o amo mais.
A conexão entre ele e a Maria foi instantânea. Acho que ela se ligou mais a ele do que a mim. E meu lindo mafioso está adorando isso. Está descobrindo o que existe fora da Cosa Nostra, e isso não aquece só meu coração, aquece minha alma.
A dor, a exaustão física e mental, junto da falta de alimentação, me fizeram desmaiar e eu nem mesmo me lembro como aconteceu. Mas aqui estava ele, cuidando de mim como sempre, e ao seu lado, meu raio de sol.
Tivemos um momento família, e eu adorei. Por um momento, me lembrei da minha infância. A forma como Enzo trata Maria, com carinho, atenção, paciência e toda a dedicação do mundo, é a mesma que meu pai teve comigo e, claro, com a Elo também.
Pai… o senhor vai me fazer tanta falta.
O telefone de Enzo tocou, e ele foi ao banheiro atender. Maria e eu ficamos brincando na cama quando escutei:
— TIO!!!!
Eu não pensei, só corri até o banheiro. Quando cheguei lá, por um breve momento, entrei em transe, como se o que eu estivesse vendo fosse pura imaginação. Enzo socava a parede sem parar. Quando voltei a mim, fui até ele.
— Amor, o que houve?
— AAAAAAAH!! — Ele gritava.
Toquei seu braço.
— Amor, por favor… você está se machucando.
Olhei para a mão dele e vi que começava a sangrar.
— È tutta colpa mia, è morto ed è colpa mia.
— Enzo, quem morreu? E por que está se culpando?
Ele encostou a cabeça na parede, e eu envolvi meus braços em sua cintura, dei um beijo em suas costas e encostei minha cabeça nele. Enzo não disse nada, mas colocou uma mão sobre a minha.
— Italiano… — A voz da Maria ecoou no banheiro. Ele desencostou a cabeça da parede para olhar para ela. A expressão dela era de pavor, e os olhinhos refletiam medo. Ainda abraçada a ele, senti seu corpo enrijecer, porque ele também via o que a cena havia causado em Maria.
— Sinto muito, amore mio, não queria te assustar.
Ela caminhou devagar até ele, abraçou sua perna.
— Vai ficar tudo bem — ela disse. — Papai disse que abraços ajudam. — Maria levantou o rostinho para encará-lo. — E eu te abraço, italiano.
Ah, meu raio de sol… Como uma pessoa tão pequenina assim tem palavras tão sábias e doces? Eu me mantive em silêncio, mas me afastei dele. Notei que ele queria pegá-la.
Enzo abaixou, a pegou no colo e a abraçou. Ele enterrou o rosto no cabelinho dela.
— Vai ficar tudo bem, italiano, eu tô aqui — ela disse, agarradinha a ele. Enzo se separou dela, deu um beijo em sua testa.
— Obrigado, mia principessina.
Ainda com ela no colo, ele se virou para mim.
— Preciso falar com Giuseppe e Alexander.
Passei a mão pelo seu rosto.
— Não quer se acalmar primeiro? Me dizer o que está acontecendo?
— Agora não, mia vita. Preciso que você se recupere primeiro. — Ele colocou a mão em meu rosto, e notei que estava machucada e sangrando. — Promete que, quando estiver melhor, te conto tudo.
— Me diz só com quem estava falando, e do que estava se culpando.
Enzo olhou para Maria, que o olhava atentamente. Deu outro beijo em sua testa e se voltou para mim.
— Não na frente dela.
Chamei Maria para meu colo, e, no primeiro instante, ela recusou. Mas depois cedeu. Disse para ele lavar a mão que eu levaria Maria para uma das meninas e logo voltava para ajudá-lo.
Saí do quarto e encontrei Rosario.
— Lena, como está se sentindo? — perguntou, com preocupação.
— Rosa, estou melhor. Poderia me fazer um favor?
— Claro, cariño. O que precisa?
— Que fique com a Maria uns minutos, e se puder, chame Aline, Giuseppe e Alexander para me encontrarem em meu quarto.
— O que aconteceu?
— Enzo se machucou, e ele precisa falar com o Alex.
Sem fazer mais perguntas, Rosa saiu de mãos dadas com Maria, que olhava para trás a cada segundo. Voltei para meu quarto. Assim que entrei, Enzo estava sentado na cama, cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça escondida nas mãos.
Sentei ao seu lado e acariciei seus cabelos.
— Me conta… — sussurrei, depois dei um beijo em seu pescoço.
— Mio tio Giovanni, irmão mais novo do meu pai — ele começou a falar, mas manteve a cabeça baixa. — Ele se afastou de todos os Mancini, principalmente de mio nonno, depois que meu pai morreu.
Eu continuei a acariciá-lo, como se esse pequeno gesto fosse um incentivo para que ele continuasse falando.
— Nós sempre nos demos bem. Mio nonno exercia um poder em mim, muitas das vezes mais que mio proprio papa, me privava de coisas, me obrigava a fazer o que não queria, me batia, mi insultava, sempre com a desculpa “Sto creando un uomo” (Estou criando um homem), como se para ser homem, precisasse passar por tudo isso.
Ele fez uma pausa antes de continuar.
— Giovanni, mesmo sendo o mais novo, nunca se intimidou com mio nonno e me defendia, e cobrava de mio papa uma atitude, mas ele só respondia: “logo isso vai acabar”.
— Mas por que seu pai deixava seu avô fazer isso? — ele levantou a cabeça só o suficiente para me encarar.
— Porque ele queria ser Don, e ele realmente levava jeito. Se não tivesse sido emboscado e morto com um tiro na testa, era ele quem estaria à frente dos Mancini. — Enzo suspirou antes de concluir. — Não eu…
— Sinto muito, amor, nunca imaginei que tivesse passado por essas coisas.
— Eu nunca quis ser Capo, nem mesmo achava que tinha jeito para isso. Mas Lorenzo Mancini tem dificuldade com o “não”, e eu recusar, estava fora de questão.
— Mas não teria que ser seu tio? Já que seu pai havia morrido? Isso é passado de pai para filho, né?
— Lena, antes de Rosa me chamar, eu já estava vindo aqui — Alex começou. — Chen está cuidando da cerimônia. Pesquisamos a vida de Dimas e ele não tem parentes, era somente ele e a menina.
— Pobrezinha… — Aline disse, enquanto envolvia os braços na cintura de Tom.
— E vocês também não possuem parentes distantes. Acredito que, então, podemos fazer as homenagens amanhã mesmo. Se você e Elo acharem que estão preparadas.
Prendi a respiração por um segundo. Senti um nó na garganta. Eu nunca estaria preparada para dizer adeus.
— Por mim, tudo bem, e a Elo me disse mais cedo que deixaria tudo por minha conta.
— Tem mais uma coisa… — Senti um certo desconforto em sua voz. — Precisamos contar para a menina. No relatório policial, assinei como responsável dela até que decidam o que fazer.
— Contar a ela? — Perguntei entre as lágrimas. Enzo se levantou e parou atrás de mim, me abraçando.
— Sim — Alex me respondeu.
— Não podemos deixar para depois? Ela só tem cinco anos, e…
— Amore mio, ela precisa começar a lidar com a situação. Mesmo tendo só cinco anos.
Me virei para encará-lo.
— Eu não consigo, vai doer muito, Enzo… — Me agarrei a ele e comecei a chorar. Estava desesperada, soluçando, me sentindo culpada por Dimas ter morrido por minha causa. Porque era a mim que eles queriam.
Perdida no meu próprio desespero, não ouvi a porta.
— Como vou dizer a Maria que o pai dela morreu? Que ele nunca mais vai voltar?
— Meu papai não vai voltar? — A vozinha dela me fez olhar para trás.
Maria fungava, as lágrimas escorrendo. Todos no quarto ficaram sem reação.
— Maria… — minha voz era um sussurro.
— TIA LENA, NÃO PODE MENTIR! É MUITO FEIO…
— Meu amor, eu não estou mentindo… — Tentei me aproximar dela, mas ela se afastou.
— EU QUERO MEU PAPAI, ME LEVA PARA O MEU PAPAI!!
Ela gritava e chorava, e aquilo estava me matando.
— Maria, deixa a tia Lena te explicar…
— NÃO!
Ela gritou e saiu correndo do quarto.
— Maria…
Eu não consegui me mover, fiquei parada, assim como todos ali.
E tinha chegado a hora de contar ao meu raio de sol que o papai dela era um homem muito especial…
E que o papai do céu… não podia mais viver sem ele.

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