Amber
O frio era implacável, um arrepio que não vinha apenas do ambiente, mas de um lugar mais profundo, mais sombrio. Estava escuro, e o quarto era tão miserável quanto me sentia: paredes descascadas, manchas de umidade, um cheiro que misturava mofo e descaso.
Minha barriga roncava, e eu me encolhia na cama, tentando ignorar o vazio que doía tanto quanto os ferros do colchão que insistiam em perfurar minhas costelas. Meus braços estavam roxos, resultado de t***s e apertões que eu já não tentava entender.
Do lado de fora, as vozes eram sempre as mesmas, graves, carregadas de raiva. Algo se quebrou. O som me fez pular, um reflexo automático de anos vivendo com medo.
Cobri os ouvidos, tentando abafar os gritos, mas eles se infiltravam. A voz da mulher era estridente, o homem, um rugido baixo e ameaçador. Sabia o que vinha depois. Sempre sabia. Mas, dessa vez, sentia algo diferente: pior.
A porta se abriu com força, batendo na parede e me arrancando do meu refúgio miserável. Lá estava ela, ocupando toda a moldura da porta. Gorda, com um vestido desbotado que mal cobria o corpo sujo, ela parecia maior do que o mundo naquele momento.
"Levanta!" ela gritou, caminhando até mim com passos pesados. Antes que eu pudesse reagir, senti sua mão no meu cabelo, me puxando com força.
"Você tem que servir pra alguma coisa nessa vida! Não vou mais cuidar de um peso morto, ouviu?"
Tentei gritar, mas a dor transformou minha voz em um choro engasgado. "Por favor, tia... Eu não fiz nada errado!"
Ela riu. Uma risada seca, sem humor. "Não me chame de tia, eu não sou nada sua, sua imunda." tremi com suas palavras. Realmente ela não era minha tia, era minha madrasta. "Errado foi sua mãe ter morrido e deixado você aqui pra me atrapalhar! Eu não tive filhos pra criar a desgraça de outra!"
Com um movimento brusco, me jogou no chão. Senti o impacto nas costas, o ar escapando dos meus pulmões. Fiquei deitada, tentando recuperar o fôlego, enquanto ela cuspia palavras venenosas.
"Vou te vender pro bordel da senhora Hapsel. Ela vai saber o que fazer com você. E eu, finalmente, vou me livrar desse peso!"
As palavras bateram em mim como uma sentença de morte. "Não! Por favor! Eu prometo... Eu prometo ser boa! Não me mande pra lá!"
Ela apenas me olhou, como se eu fosse um inseto insignificante. "Quando foi que tive dó de você?"
A porta rangeu novamente, e um homem entrou. Alto, largo, com um cheiro azedo que enjoava. Seus olhos pequenos me varreram de cima a baixo, e senti um nojo que queimava mais que qualquer dor física.
"Quando vai entregar ela?" ele perguntou, sua voz tão sebosa quanto sua aparência.
"AHHHHHHHHHHHH" o som saia de minha garganta, forte e estridente.
Voltei à realidade com um soluço. Minhas mãos agarravam o divã, os dedos cravados no estofado. A sala da Dra. Henderson parecia girar ao meu redor.
"Amber, está tudo bem," sua voz era calma, mas eu sabia que não estava. Nada estava bem.
As lágrimas escorriam pelo meu rosto, salgadas, quentes, enquanto os soluços sacudiam meu corpo. Minha garganta queimava, meu peito apertava.
"Eu... eu era só uma criança," sussurrei, o peso da lembrança esmagando minhas palavras. "Como puderam fazer aquilo comigo? Como puderam me tratar daquela forma."
A Dra. Henderson me observava, sua expressão cheia de algo que eu não sabia identificar. Pena? Compaixão?
Mas eu não precisava disso. Precisava entender. Precisava me lembrar. Porque, pela primeira vez, percebia que meu passado não era só um buraco negro. Era um abismo cheio de dor. E, de alguma forma, ainda estava presa nele.

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