Lorenzo Bianchi
Fiquei parado por longos minutos depois que ela se afastou. Os pés cravados na terra úmida da margem, como se ainda houvesse uma chance de voltar no tempo. Mas não havia.
Cada palavra da Aurora parecia ecoar dentro de mim como um trovão. Não pelo tom, mas pelo peso da verdade. Ela não me odiava — o que talvez fosse mais fácil. Ela só não se deixava mais ser ferida. E isso… isso me desmontava.
Caminhei de volta sozinho, sentindo a roupa gelada contra o corpo e a alma ainda mais fria. Quando cheguei à casa, respirei fundo antes de abrir o portão lateral. Entrei pela porta dos fundos, torcendo para que ninguém estivesse ali. Não queria encarar ninguém. Não ainda.
Mas, claro, ela estava.
Camille.
Sentada no sofá da sala com uma revista de vinhos no colo, as pernas cruzadas como quem já se sentia confortável demais. Levantou os olhos assim que me viu, sorrindo daquele jeito automático — aquele sorriso perfeito que nunca me alcançava de verdade.
— Onde você foi, amor? Estava começando a me perguntar se tinha se perdido. — disse com um riso suave.
— Só precisei pensar. — respondi, tentando passar direto, mas ela se levantou, vindo até mim com passos determinados.
— Lorenzo, olha para mim. Você está estranho desde ontem. Está me evitando? Nem fizemos amor ontem.
Suspirei, passando as mãos molhadas pelos cabelos e sem coragem de encará-la nos olhos. Não era culpa dela, pelo menos não totalmente. Mas a presença dela ali… era um lembrete vivo de tudo o que eu tinha feito de errado.
— Camille… — comecei, mas a voz falhou. Como explicar o que nem eu entendia por completo?
Ela cruzou os braços, o semblante endurecendo um pouco.
— É por causa dela, não é? A garota que você deixou aqui quando foi para Nova Iorque?
Fiquei em silêncio. E, naquele silêncio, disse mais do que qualquer palavra.
Ela assentiu devagar, como se já soubesse — e talvez sempre tivesse sabido.
— Sabe o que é pior? — ela disse, com amargura. — Eu entrei nisso achando que podia ocupar um espaço que nunca foi meu. Mas nunca quis ser o fantasma da sua história.
Dei um passo para trás, incapaz de lidar com a dor que agora surgia também nos olhos dela. Eu estava quebrando todo mundo, e fingindo que não.
— Desculpa. — foi tudo o que consegui dizer.
Camille respirou fundo, como quem toma fôlego para encerrar algo que já devia ter acabado há tempos.
— Não sou ela, Lorenzo. E você não é o homem que ela precisa. Pelo menos, não agora.
Ela passou por mim com passos calmos, mas firmes. E, de repente, a casa pareceu mais vazia do que nunca.
Fui até o quarto, tirei a camisa encharcada e me sentei na beirada da cama. As mãos no rosto. O peito pesado. O coração em guerra.
O rosto da Aurora vinha à minha mente como uma lembrança tatuada. O toque dela ainda estava na minha pele. Mas foi o olhar que me atingiu mais fundo: aquele misto de amor e fim. Como se ela tivesse me amado tanto… que precisou se afastar para sobreviver.
Eu a perdi.
E, pela primeira vez, entendi que o amor, por si só, não basta. A gente precisa ser digno dele. Precisa escolher. Precisa lutar.
E agora… talvez fosse minha vez de fazer isso.
Do jeito certo.
O sol já estava alto quando desci para o escritório do meu pai. A casa estava silenciosa, como se todos tivessem sentido a tensão suspensa no ar desde ontem. Caminhei devagar, sentindo o peso da noite anterior e da manhã no lago grudado em mim como um segundo corpo.
Encontrei meu pai, sentado à mesa, lendo relatórios, a expressão dura e concentrada. Sempre fora assim — imponente, pragmático, e, de certa forma, distante. Mas naquele momento, eu não precisava de conselhos de empresário. Precisava do meu pai.
— Posso falar com você?
— Lorenzo, eu vi você crescer. Enxerguei você como um filho por muitos anos. Vi o garoto correndo por essas terras, vi a forma como você olhava minha filha como se ela fosse o sol. E por muito tempo, achei que você seria o homem que a faria feliz.
Me levantei, tentando me explicar, mas ele ergueu a mão, cortando minha fala com um gesto firme.
— Mas se você ousar magoá-la de novo… esqueça cada centavo, cada conselho, cada porta que o seu pai abriu para mim. Eu rasgo a gratidão e engulo com gosto. — seus olhos se cravaram nos meus, duros como pedra. — Porque aí, Lorenzo… aí eu vou ter o prazer de quebrar a sua cara. Porque se um dia te amei como um filho, se vê minha filha chorando mais uma vez por você, esqueço de quem somos e não respondo por mim.
O silêncio se espalhou como uma explosão. Meu pai não disse nada. Nem precisava. Ele apenas observava. Sabia que Matheu estava falando como pai — algo que nenhum contrato ou sociedade poderia confrontar.
Eu não me defendi. Porque não havia defesa possível. Matheu estava certo. Eu tinha ferido a filha dele. E agora, eu precisava decidir que tipo de homem seria a partir daqui.
— Eu amo a Aurora. — minha voz saiu baixa, mas firme. — Só… não soube como mostrar. Ou talvez não estivesse pronto para merecer ela.
Matheu me olhou por mais alguns segundos e, enfim, assentiu devagar.
— Pois aprenda. Ou perca. De vez. Sua atitude trazendo essa outra moça nos provou ao contrário.
Ele se virou, saindo do escritório com a mesma presença imponente com que entrou.
Fiquei ali, de pé, sentindo meu mundo tremer nos alicerces.
Meu pai me olhou por alguns segundos antes de soltar um suspiro pesado.
— Chegou a hora, Lorenzo. De crescer. E de escolher quem você vai ser com ou sem a Aurora. E se me permite filho, não magoe a Camille também, pois ela aparenta ser uma boa moça.
E ali, sozinho entre dois homens que me conheciam melhor do que eu mesmo, eu entendi que não dava mais para viver pela metade.
Ou eu mudava.
Ou a perdia para sempre.

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