Aurora Rossi
Fiquei ali parada, diante da porta fechada, como se ela ainda respirasse a presença dele. Lorenzo. A voz dele ainda vibrava em mim, entre os cantos do meu peito e as rachaduras que ele ajudou a abrir — e talvez, agora, tentasse costurar. Mas ainda era cedo. Tão cedo que doía. Eu precisava respirar, pensar, pintar… ou apenas não desabar.
Dei dois passos para trás, me encostando na parede do corredor, o olhar preso à madeira da porta como se pudesse enxergar através dela. As palavras dele ecoavam na minha cabeça. Ele não pediu nada. Não exigiu. Não tentou consertar com promessas vazias. E isso, de alguma forma, me desarmou mais do que qualquer súplica.
“Se um dia você me deixar tentar de novo, eu quero estar pronto.”
Fechei os olhos. O silêncio da casa agora parecia ainda mais espesso, quase uma presença. Fiquei ali por mais tempo do que pretendia, até que um som me arrancou dos pensamentos.
Três batidas secas na porta.
Meu coração disparou.
Ele voltou.
Corri os olhos para o espelho ao lado da entrada, ajeitei uma mecha solta do coque, sem saber por quê. Talvez por reflexo. Talvez por medo de fraquejar. E então abri a porta.
Não era ele.
— Camille?
Ela estava ali, de pé, segurando a alça da bolsa com firmeza, como se aquele fosse o último lugar do mundo onde queria estar… e ainda assim tivesse escolhido estar. O vento bagunçava seus cabelos soltos e havia algo nos olhos dela que me impediu de dizer qualquer coisa por alguns segundos.
— Desculpa aparecer assim. Sei que é estranho… — ela começou, com uma voz baixa, contida. — Mas eu precisava… eu precisava te ver.
Assenti, ainda confusa, mas dei espaço para que ela entrasse. Fechei a porta devagar atrás de nós. A presença dela ali era como uma colisão de mundos — o antes e o depois. O que fui e o que precisei deixar de ser.
— Você quer… chá? Café? — ofereci, meio automática.
— Não, obrigada. Não vou demorar. — Ela parou no meio da sala, olhando em volta, como se tentasse decifrar os traços da minha vida ali. — Lorenzo não imagina que estou aqui, na verdade ele imagina que estou a caminho da França ou dos EUA. Mas sei que ele esteve aqui e imagino que não tiveram uma conversa fácil.
Suspirei, cruzando os braços.
— Não foi. Mas também não foi uma cena. E eu agradeço por isso.
Ela assentiu devagar, os olhos fixos em mim.
— Ele é bom. Mas estava quebrado. E aceitei isso, mesmo sabendo que não deveria. Porque a gente acha que amor conserta as coisas… mas às vezes, ele só mostra o quanto ainda estamos longe de estar prontos.
Fiquei em silêncio, absorvendo cada palavra. Havia dor ali, mas também havia força. Um tipo de força que eu reconhecia. Que admirava.
— Eu não vim aqui defender ele. Nem tentar limpar o que aconteceu. Só queria te olhar nos olhos e dizer que… eu não sou sua inimiga. E nunca fui. Fui apenas mais uma que se perdeu tentando amar alguém que ainda não sabia se amar. Mas estarei pronta quando ele decidir voltar.
A sinceridade dela me pegou de surpresa. Não havia ironia. Não havia competição. Havia humanidade. E, de certa forma, reconhecimento. Como se, por um momento, duas estranhas compartilhassem o mesmo espelho. Ou pelo menos acho isso.
— Eu sei. — respondi, por fim. — E também não sou sua inimiga. Lorenzo fez as escolhas dele. A dor não é sua. E, sinceramente? Eu sinto muito por você também.
Os olhos dela brilharam. Ela sorriu, pequeno, e deu um passo à frente.
Molhei o pincel em um tom de dourado envelhecido — uma cor que nunca ousei usar naquela tela — e o levei até o canto oposto do azul que sangrava. Era simbólico. Um equilíbrio.
Pintei sem pressa. Sem rascunho. Só deixando que os sentimentos escorressem em forma de luz e sombra. As formas começaram a se fechar, as cores a se encontrar. Pela primeira vez, a imagem parecia fazer sentido.
Eu me perdi ali por minutos, talvez horas. Quando parei, percebi que o sol começava a cair do outro lado da janela. A luz dourada atravessava o vidro, tocando a tela com suavidade.
Levantei-me e dei alguns passos para trás, observando o quadro como se o visse pela primeira vez. Ainda era a mesma “Promessa Incompleta”, mas agora… agora ela não gritava mais.
Ela sussurrava.
E, de algum jeito estranho e bonito, parecia inteira mesmo com suas imperfeições.
Soltei o ar preso nos pulmões, como se liberasse junto dele tudo o que vinha carregando até aqui. Lorenzo, Camille, o passado, o amor que foi e o que talvez nunca seja. Eu não sabia o que viria depois. Talvez ele voltasse. Talvez não. Talvez eu deixasse. Ou não.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, essa incerteza não me paralisava.
Era liberdade.
Voltei a me sentar, e dessa vez, em vez de pintar, apenas observei.
Às vezes, terminar uma promessa não significa cumpri-la exatamente como foi feita. Às vezes, significa aceitá-la pelo que ela se tornou… e seguir.
E eu estava pronta para isso.

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