A manhã começou nublada. O céu de tons acinzentados parecia espelhar o coração inquieto de Isabella. Ela se levantou mais cedo do que o habitual, ainda com o peito apertado e os olhos marcados pela noite mal dormida. A ausência de Lorenzo na mansão criava um silêncio diferente – um tipo de vazio que não era físico, mas emocional.
Ele estava na Rússia. Partiu na tarde anterior, sem despedidas. Isabella fingiu que não sentiu. Fingiu que não ficou com o coração acelerado cada vez que ouvia passos no corredor esperando, inutilmente, que fossem os dele. Fingiu que não olhou pela janela na hora que o carro partiu. Fingiu… mas não esqueceu.
Estava na cozinha com Marta, ajudando com o café da manhã de Aurora, quando o celular vibrou sobre o balcão.
Era um número conhecido.
— Dona Marlene? — atendeu, surpresa.
A voz da vizinha idosa da avó soou trêmula do outro lado da linha.
— Isabella… querida, desculpe incomodar tão cedo, mas… eu não sabia pra quem mais ligar. É sobre sua avó.
O coração dela disparou.
— O que houve?
— Ela está bem… quer dizer, está estável. Mas passou mal ontem à noite. Teimosa como sempre, não quis ir ao hospital. Disse que era só um mal-estar. Mas… ela tem estado muito fraca, querida. Preocupante.
Isabella levou a mão ao peito. Um aperto cruel tomou conta de seus pulmões.
— Por que não me avisou ontem?
— Eu tentei, mas seu número não chamava. Só consegui agora de manhã.
— Eu vou pra lá — respondeu sem pensar.
— Não precisa se apressar, mas… ela precisa de você, Isa. Só sua presença vai acalmá-la.
Assim que desligou, Isabella ficou parada no meio da cozinha, como se o chão tivesse sumido. O pensamento da avó enferma despertava em seu peito sentimentos antigos – culpa, saudade, amor. Era tudo o que lhe restava da família. A única raiz.
— Isabela? — a voz de Antonela veio suave atrás dela.
A mulher estava vestida com um roupão de cetim bege, os cabelos presos num coque elegante. Seus olhos experientes logo perceberam a expressão abalada da jovem.
— Aconteceu alguma coisa?
Isabella respirou fundo e assentiu.
— É minha avó… a vizinha dela acabou de me ligar. Disse que ela passou mal ontem à noite e está muito fraca. Eu preciso ir até lá.
Antonela aproximou-se, preocupada.
— Claro, minha querida. Você quer que alguém a leve? Posso pedir para um dos motoristas acompanhá-la.
— Eu… — Isabella hesitou, seus olhos se desviaram instintivamente na direção da sala, como se procurassem por algo. Ou por alguém. — Eu queria pedir um favor, mas não sei se seria demais…
Antonela franziu o cenho com delicadeza.
— O que for preciso, Isa. Pode falar.
— Posso levar a Aurora comigo?
Os olhos de Antonela se suavizaram num segundo. Um sorriso pequeno curvou seus lábios.
— Claro que pode.
— Eu… só pensei nisso porque… ela está tão apegada a mim… e eu a ela. — A voz dela falhou. — Não quero que ela pense que não vou voltar, eu fiz uma promessa e…
Antonela assentiu, emocionada.
— Vai fazer bem pra ela. E, confesso… vai fazer bem pra você também. Estar longe dessa casa por uns dias, respirar um ar diferente… pode ajudar vocês duas. E não se preocupe, vou providenciar tudo.
Isabella caminhou até ela e a abraçou.
— Obrigada, Dona Antonela.
— Nada de “dona”, querida. Somos quase família. E Lorenzo…
A menção ao nome dele fez Isabella endurecer.
Antonela notou, mas não insistiu. Apenas acariciou de leve os cabelos da jovem.
— Ele está longe. Talvez seja o destino dando um tempinho para o coração respirar.
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— Tipo uma enfermeira?
— Tipo uma enfermeira mágica.
Aurora riu, encantada, e abraçou Isabella com força.
— Eu vou fazer chá, contar história e dizer pra ela que você é a melhor pessoa do mundo!
— Você é a melhor pessoa do mundo, meu amor.
A menina a encarou com carinho e depois perguntou baixinho:
— Tia Isa… o papai deixou?
Isabella ficou em silêncio por um segundo.
— O papai está viajando. Mas a vovó Antonela disse que você pode ir comigo.
Isabella sorriu, um sorriso suave, mas carregado de algo novo — uma fagulha de esperança. Talvez Antonella estivesse certa. Talvez, ao colocar alguns quilômetros entre si e tudo o que a feria, seu coração encontrasse algum espaço para respirar. Um pouco de silêncio para curar.
Ela se abaixou para abraçar Aurora, puxando a menina para mais perto. O pequeno corpo aninhado contra o seu parecia uma âncora, uma certeza de que ainda havia ternura no mundo, mesmo em meio às tempestades. O calor daquele abraço era um bálsamo que penetrava fundo em sua alma ferida, como se a menina, com toda sua pureza e inocência, fosse capaz de colar os pedaços quebrados que Lorenzo deixara para trás.
Aurora, sem entender nada da dor que aquela viagem escondia, sorriu, apertando ainda mais o pescoço de Isabella.
— Tia Isa, a vovó vai gostar de mim?
— Vai amar você, meu anjo. — Isabella respondeu, com a voz embargada. — Porque você é impossível de não amar.
Enquanto ajeitava a mala e o cachecol da menina, um pensamento insistente a assaltou.
Será que Lorenzo notaria sua ausência? Será que ele sentiria a falta dela como ela já sentia a dele, mesmo antes de partir?
Isabella balançou a cabeça, afastando o turbilhão de emoções. Não queria respostas agora. Queria distância, força.
No entanto, lá no fundo, uma parte de si sabia que estava apenas adiando um confronto inevitável.
E se Lorenzo resolvesse procurá-la? E se ele aparecesse na fazenda, com aquele olhar que queimava como fogo, pedindo que ela voltasse?

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