A mansão respirava em silêncio.
Do lado de fora, a chuva batia ritmada contra os vitrais altos, escorrendo em veios tortos como lágrimas contidas. Do lado de dentro, apenas o arrastar de malas e o som macio das botas de Aurora correndo pelo mármore quebravam a quietude.
Isabella conferia pela terceira vez o zíper da última mala. Dobrou o cachecol da menina, ajeitou o capuz do casaco felpudo e checou, com a calma treinada de quem esconde tempestades, se o remédio para a madrugada de Aurora estava no bolso interno da mochila.
A menina corria de um lado para o outro, animada com a viagem para a casa da avó, o que fazia o coração de Isabella se aquecer, apesar da dor que ainda pulsava ali.
A menina assentiu, satisfeita, mas logo franziu o cenho.
— A sua vovó mora numa fazenda?
— Sim.
— E TEM CAVALO LÁ?!
— Tem. Cavalos, bois e muitas galinhas.
— TIA ISA, VAI SER DEMAIS!
O riso de Aurora voou pelo saguão, iluminando o ar pesado como um raio de sol teimoso — e foi aí que uma voz, com perfume de veneno e veludo, cortou a cena:
— Que cena… adorável.
Isabella se virou, devagar, como quem já sabia de onde vinha o veneno e deu de cara com Vereda. A mulher estava impecável como sempre. Vestido azul-marinho de seda que abraçava o corpo com arrogância, saltos suficientes para se impor sem dizer palavra, cabelos soltos e um batom vermelho vivo. Seus olhos eram frios, avaliadores, com o desprezo afiado de quem se acha dona do território.
— Vereda. — Isabella a cumprimentou com uma calma segura, erguendo levemente o queixo. — é um prazer revêv-la.
— Pena que não possa dizer o mesmo.
— Faça como eu… minta.
As duas se entreolharam por uns segundos.
— O que deseja?
— Soube que Giulia voltou da Europa. Vim visitá-la. — Os olhos varreram as malas, o casaco de Aurora, a proximidade entre as duas. — Mas vejo que encontrei algo mais interessante. — O sorriso torto desenhou-se. — Então Lorenzo finalmente te colocou no seu lugar?
O sangue de Isabella ferveu, mas a expressão permaneceu firme. Ela tomou a mãozinha de Aurora, que observava a cena com o cenho franzido, e respondeu com a voz mais baixa e letal que já havia usado:
— Talvez não da maneira que você gostaria, Vereda.
A outra parou, surpresa por um segundo. Em seguida, ergueu o queixo e sorriu maliciosamente.
— Você… — ela riu, com desdém. — Você acha mesmo que é suficiente para ele?
— Eu não preciso achar nada. — Isabella deu um passo à frente, com uma postura impecável e o olhar seguro. — Eu não sou um troféu. E, diferente de você, eu não preciso de um sobrenome para saber quem eu sou.
O rosto de Vereda endureceu, como porcelana trincando.
— Você se engana de tantas formas, menina. — O “menina” veio cheio de veneno. — Trabalhar aqui, dormir sob este teto, te deu a impressão de que você pertence. Mas não se iluda. Você é substituível. Como qualquer outra babá.
Aurora apertou a mão de Isabella mais forte. Isabella sorriu desviando o olhar para Aurora, apenas para lhe tranquiliza-la, mas em seguida, ergueu novamente o olhar encarando Vereda nos olhos e disse:
— Substituível? — sorriu de canto. — Quem costuma ser substituída é quem se oferece como opção. Não é o meu caso.
Vereda abriu a boca, pronta para retrucar, quando ouviu o som de passos pela escada principal.
— Isabella! — A voz doce da irmã de Lorenzo surgiu antes dela.
Giulia apareceu linda, em uma saia lápis preta e uma blusa creme, os cabelos soltos como se nada nunca abalasse sua estrutura. Desviou os olhos azuis para Vereda e parou.
O sorriso em seus lábios não alcançou os olhos.
— Vereda… quanto tempo.
O tom era educado, cortês e friamente distante. Vereda estufou o peito, sorrindo com contenção.
— Vai com Deus, Isabella. — disse, com doçura e uma promessa velada. — E… liga quando chegar.
— Eu ligo. — Isabella assentiu, sincera, segurando a mão de Aurora, que pulava de ansiedade pelo caminho. — diga a dona Antonella e a Marta que deixei um beijo.
As duas se abraçaram. E naquele abraço, havia o que Vereda jamais entenderia, aliança.
Quando Isabella cruzou a porta com Aurora, a chuva pareceu ficar mais leve. O saguão, no entanto, ficou pesado novamente.
Vereda respirou fundo, controlando o tremor. Voltou para Giulia, tentando recuperar o tom.
— Você enlouqueceu. Lorenzo e essa babá, juntos? Ele precisa de uma mulher a sua altura.
— Ah, Vereda… — Giulia sorriu, depravação doce nos lábios. — O problema não é o que ele aceita. É o que ele sente. E, querida… — inclinou o corpo, como quem compartilha um segredo — você nunca foi uma opção quem dirá uma escolha.
O olhar de Vereda escureceu como as tempestades que anunciam vendavais.
— Eu não vou permitir que ela se sente onde não pertence.
— E quem decide isso… é você? — Giulia arqueou uma sobrancelha, elegante, letal. — Que curioso, jurava que era meu irmão.
Silêncio.
A porta se fechou atrás de Isabella e Aurora.
E Vereda, com as unhas fincadas na própria palma, prometeu a si mesma — aquela história não terminaria assim.
Giulia viu. E sorriu. Um sorriso curto, calculado.
Porque sabia:
A guerra tinha começado. E Isabella… não estava mais sozinha.

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar