A noite havia descido sobre a fazenda como um véu delicado, envolvendo tudo em um manto de serenidade profunda. As estrelas pontilhavam o céu com uma timidez encantadora, enquanto a lua cheia pairava no alto como uma guardiã silenciosa, lançando sua luz prateada sobre os campos adormecidos. Havia uma beleza ancestral naquele silêncio, interrompido apenas pelo coaxar distante dos sapos, o canto ritmado dos grilos e o sussurro do vento entre as folhas do laranjal.
Dentro da casa principal, um quarto dormia em perfeita harmonia. Aurora, com seus cachinhos dourados espalhados sobre o travesseiro, respirava de forma suave, o peito subindo e descendo como uma flor em brisa calma. A garotinha abraçava suas duas bonecas de pano, Cacau e Lila, com força, como se temesse perdê-las nos sonhos. Isabella a observava em silêncio, com o coração apertado e a alma transbordando de ternura. Cobriu-a com o cobertor leve, ajeitou delicadamente a franja sobre a testa da menina e inclinou-se para depositar um beijo demorado em sua bochecha ainda quente de sono.
— Durma bem, meu amor… — murmurou, com a voz embargada de uma emoção que não sabia nomear.
Aurora soltou um suspiro sonolento, virando-se de lado. Isabella demorou alguns segundos observando aquele rostinho sereno. Naquela menina havia algo mágico, uma luz que aquecia até os cantos mais escuros do seu coração.
Com passos leves, Isabella deixou o quarto e caminhou pelo corredor de madeira polida até os fundos da casa, onde a varanda a esperava como um abraço antigo. Lá, uma mesa rústica de madeira estava posta com um bule de chá fumegante, duas xícaras decoradas com flores secas e uma vela acesa no centro, lançando sombras dançantes. Flora, sua avó, estava sentada, envolta em uma manta de tricô, o cabelo grisalho preso em um coque frouxo, iluminado pela luz suave do lampião.
— Senta aqui comigo, querida — disse ela, com um sorriso doce e um olhar que atravessava as defesas da alma.
Isabella se aproximou e sentou-se ao lado da avó. Pegou uma das xícaras e levou-a ao nariz. O aroma de camomila e mel a envolveu como um sopro de infância. A primeira infância. Aquela em que tudo era mais simples, mais seguro, antes do mundo se tornar pesado.
Ficaram alguns minutos em silêncio, apenas ouvindo os sons noturnos e observando o céu salpicado de estrelas. O calor da bebida aquecia suas mãos, mas era a presença de Flora que aquecia o peito.
— Você está diferente. — disse Flora, após um longo tempo, com a voz baixa e um olhar perspicaz.
Isabella virou-se devagar, surpresa.
— Diferente? De que jeito, vó?
— Está mais mulher. Mais silenciosa, como quem está guardando algo grande dentro do peito. Seu rosto sorri… mas seus olhos, minha filha… ah, seus olhos estão carregando um peso que só quem já amou de verdade conhece.
Isabella desviou o olhar para a lua, buscando nela as respostas que não encontrava em si. Sentia um nó na garganta, como se a qualquer momento fosse desatar a chorar. Suspirou fundo e engoliu em seco.
— Eu… me apaixonei, vó — confessou num sussurro. — E isso me assusta mais do que qualquer coisa.
O ar pareceu parar por um instante. A chama da vela dançou entre elas, como se tivesse ouvido o segredo. Flora pousou a xícara com cuidado sobre a mesa e virou-se de corpo inteiro para a neta. Seus olhos, cheios de histórias e cicatrizes, estavam mais atentos do que nunca.
— É o pai da menina? — perguntou, direta, mas com ternura. Uma pergunta aparentemente simples, mas que trazia o peso de tudo o que vinha sendo evitado.
Isabella corou imediatamente. O sangue subiu às bochechas como uma avalanche quente. Apertou a xícara com as duas mãos, tentando encontrar firmeza. Seus lábios tremeram mas ela não conseguia dizer nada.
— Não precisa responder — disse Flora, baixando o tom. — Eu já entendi.
Isabella ergueu os olhos como quem implora por não ser julgada. Mas não havia julgamento algum em Flora. Apenas uma compreensão que só o tempo é capaz de oferecer. O tipo de amor que acolhe, mesmo diante do inesperado.
— Ele deve ser um homem e tanto. — disse a avó, voltando os olhos para o céu.
Isabella sentiu os olhos se encherem d’água.
— Por quê? — murmurou.
— Porque só um homem muito especial seria capaz de conquistar o coração da minha neta. E você… não se entrega fácil, Isabella. Você ama com coragem, com verdade, entrega. E isso… isso é raro nesse mundo.
As lágrimas começaram a cair. Uma, duas, depois tantas que não conseguiu mais contê-las.
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