Dona Flora estava sentada na poltrona ao lado da janela, enrolada em um xale de tricô bege, o semblante tranquilo e os olhos vivos acompanhando cada movimento do médico diante dela. Aurora, sua enfermeira particular, não tirava os olhos do doutor e da vovó, e sua mãozinha segurava com ternura a da mais velha, como se dissesse “vai ficar tudo bem.”
Dr. Stephano, com o estetoscópio pendurado no pescoço e um sorriso contido nos lábios, terminava o exame com gestos precisos e gentis. Suas mãos eram firmes, mas cuidadosas, como quem sabia que ali havia mais do que ossos e pele, havia história, memórias, amor de gerações.
— Respire fundo mais uma vez, dona Flora… — disse ele, e a senhora obedeceu com leveza. Ele escutou por alguns segundos, depois se afastou um passo e a encarou com um brilho satisfeito nos olhos. — Seus pulmões estão limpos. Pressão estável. O coração forte como o de uma moça. A senhora está muito bem.
— Ah, bendito seja, doutor! — Flora exclamou, com um sorriso aliviado. — Já não aguentava mais aquele chá de losna que a Isabella me enfiava goela abaixo. E ainda dizia que era pra minha "imunidade"!
Todos riram.
Aurora, que estava sentada aos pés da avó, aplaudiu entusiasmada. Lorenzo, encostado na parede com os braços cruzados, soltou um suspiro visível de alívio, e Isabella, que até então observava em silêncio, levou uma das mãos ao peito, como se um nó finalmente tivesse se desfeito.
— Obrigada, doutor. — disse Lorenzo, com um aperto de mão firme e sincero. — De verdade.
— Só fiz meu trabalho. — Stephano respondeu, e olhou brevemente para Isabella. — Mas confesso que é bom sair daqui com boas notícias.
Alguns minutos depois, com a casa voltando ao burburinho suave do cotidiano, Isabella seguiu Stephano até a varanda lateral, onde a brisa trazia o cheiro da terra e o canto das cigarras embalava o calor das horas lentas. Era um espaço mais silencioso, mais íntimo.
— Stephano… — ela começou, com a voz hesitante, os dedos entrelaçados diante do corpo — posso te falar uma coisa?
Ele se virou, surpreso, mas atento.
— Claro. O que foi?
Ela deu dois passos, parando a poucos metros dele. Os olhos verdes procuraram os dele com honestidade, e sua voz saiu firme, embora embargada de emoção:
— Eu queria que você soubesse… que nunca foi minha intenção te magoar. Nunca. Eu… eu sempre tive respeito por você, por tudo, pela amizade que construímos. Mas o que existe entre mim e o Lorenzo… não é algo que eu planejei. Aconteceu. Cresceu de mansinho, sem eu perceber. Quando me dei conta… já era amor.
Stephano a observava em silêncio, com os olhos azuis calmos, como um mar sereno depois da tempestade.
— Eu nunca quis te dar falsas esperanças, Stephano… e se eu fiz isso, mesmo sem querer, me desculpa. Eu…
Ele ergueu uma das mãos, interrompendo com delicadeza.
— Isabella… — disse, com um sorriso sereno e um leve balançar de cabeça. — você não precisa pedir desculpas por amar alguém. E muito menos por não ter me amado da mesma forma.
Ela engoliu em seco, e ele continuou:
— Você sempre foi clara. Sempre foi gentil. Eu… talvez tenha me enganado um pouco sozinho. Quis acreditar em algo que estava só dentro de mim. E sabe o que mais?
Ele deu um passo à frente e tocou de leve o braço dela.
— Eu estou feliz por vocês. De verdade. O jeito como ele olha pra você… e o jeito como você sorri quando ele está por perto… isso não é qualquer coisa. Isso é raro.
Os olhos de Isabella se encheram de lágrimas silenciosas, não de tristeza, mas de gratidão.
— Obrigada, Stephano. Por entender. Por ser tão generoso.
Ele deu de ombros com aquele meio sorriso característico, o tipo de expressão de quem carrega o coração inteiro, mesmo depois de um pequeno arranhão.
— Um dia, talvez, alguém olhe pra mim como você olha pra ele. Até lá, tenho muito trabalho, bons amigos… e chá de losna para fugir — brincou, fazendo ambos rirem.
Eles se abraçaram ali mesmo, como dois velhos amigos que haviam superado o mais delicado dos silêncios. E naquele abraço havia respeito, carinho… e a leveza de tudo o que foi resolvido com honestidade.

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