O silêncio no escritório não era comum, era espesso, quase palpável, carregado de algo que pairava no ar como um sopro quente de tensão mal resolvida. A porta tinha se fechado com firmeza atrás de Isabella, mas Lorenzo continuava ali, encostado na parede, como se o próprio chão o impedisse de se mover.
O coração batia em seu peito como um tambor desgovernado. Seus olhos ainda estavam fixos no espaço onde ela estivera. Isabella, a babá, a insubordinada. A mulher que o desafiava sem medo. Aquela que, com um só olhar, fazia o sangue em suas veias ferver.
Ele passou a mão pelos cabelos bagunçados, os dedos trêmulos pela raiva, mas não dela. Era a raiva de si mesmo, de ter perdido o controle. De ter deixado que a presença dela o atingisse com tamanha força.
A lembrança era vívida: o vestido azul delineando o corpo dela, o braço enfaixado numa vulnerabilidade que só o tornava mais atento. O olhar dela quando falou sobre Aurora. Tão firme, tão cheia de verdade. A coragem com que sustentou sua acusação… E depois o silêncio. O suspiro. O ar cortante que os separava e ao mesmo tempo os puxava como ímãs perigosamente opostos.
Ela não recuou.
E por isso ele estava ali, enfurecido, respirando fundo numa tentativa de se lembrar de quem ele era. Mas Isabella o fazia esquecer.
Isabella atravessava o corredor como se precisasse fugir de si mesma. O salto dos sapatos ecoava pelas paredes luxuosas, mas ela não ouvia nada além do som do próprio sangue nos ouvidos. O braço enfaixado latejava, mas era o menor dos incômodos. Havia um calor em seu corpo, uma mistura de raiva, vergonha, desejo que a sufocava por dentro.
Ela se odiava por tê-lo enfrentado. E se odiava mais ainda por ter tremido quando ele a encarou com aquela intensidade avassaladora. Aquilo não era normal, não era profissional. E, mesmo assim, era real.
Ao se aproximar da porta de vidro que dava para o jardim, ela hesitou. Respirou fundo, tentando se acalmar. Do lado de fora, o sol desenhava reflexos dourados nas folhas, e uma brisa leve balançava as cortinas da varanda. Precisava de paz. De ar. De algo que não fosse Lorenzo Vellardi.
Empurrou a porta de vidro com delicadeza e saiu.
Foi quando avistou Marta. A governanta estava sentada sob a pérgola coberta por glicínias, com um livro fechado no colo e o olhar perdido em algum ponto do jardim. Parecia saber que Isabella viria.
— Está fugindo ou tentando respirar? — perguntou ela sem se virar.
— Um pouco dos dois. — Isabella respondeu, com um sorriso fraco, e caminhou até ela.
A mulher indicou o banco ao seu lado. Isabella se sentou, o vestido azul se espalhando com elegância ao redor de suas pernas. O braço enfaixado repousava sobre o colo, e os olhos, cansados, mas cheios de emoção, pareciam buscar abrigo em Marta.
— Ele é insuportável. — Isabella desabafou de imediato.
Marta riu baixo, com aquela sabedoria típica de quem já viu muito e sabe quando deve apenas escutar.
— Senhor Lorenzo sempre foi assim. Quando era criança, jogava os brinquedos longe se não funcionassem do jeito que ele queria. Achava que podia controlar tudo. Que era invencível. Mas, por dentro, sempre foi feito de vidro e fogo. Um menino tentando não quebrar.
— Agora ele j**a pessoas — Isabella respondeu, amarga. — E acha que pode me tratar como uma das bonecas quebradas dele.
— Ele está perdido, Isabella. — Marta falou com calma. — E, embora jamais admita, está com medo.
— Medo de mim? — ela riu com sarcasmo.
— Medo do que você desperta nele.
Isabella franziu o cenho.
— Eu não estou tentando despertar nada. Só estou fazendo meu trabalho. A Aurora… ela precisava de tempo, de atenção, de um pouco de leveza. Eu ofereci isso. Só isso.
Marta virou-se e a encarou com os olhos marejados.
— Você entrou nesta casa como uma estranha. Em questão de dias, a pequena Aurora passou a buscá-la com o olhar, a tocar sua mão. E ontem, minha querida… ela falou com você.
A simples menção daquilo ainda fazia o coração de Isabella bater mais forte. A voz de Aurora dizendo “Isa” com aquele brilho nos olhos era a imagem mais doce que ela carregava dentro de si.
— Isso, Isabella, fere o orgulho de um pai. — completou Marta. — Um homem que passou meses tentando… e falhando. Ver alguém conseguir o que ele não conseguiu… não é fácil.
— Eu nunca quis tomar o lugar de ninguém. — murmurou Isabella. — Nem dele, nem de ninguém.
— Eu sei. E ele também sabe. Mas os sentimentos nem sempre seguem a lógica. Lorenzo está vendo as muralhas que ele mesmo ergueu começarem a ruir. E você é o terremoto.
Ficaram em silêncio por alguns minutos. O barulho da água da fonte ao lado era o único som além da brisa suave.
— Mas às vezes o coração decide antes da razão. — Marta disse com carinho, tocando de leve seu ombro bom. — Só tenha cuidado. Lorenzo Vellardi é feito de aço e cicatrizes. Mas por trás da frieza, existe um homem faminto por algo real.
Isabella ergueu os olhos, marejados.
— Obrigada por me ouvir.
Marta sorriu e se levantou com leveza.
— Agora vá. Aurora está te esperando. E se você demorar, tenho certeza de que ela vai usar as peças do quebra-cabeça como estrelas cadentes para enfeitar o tapete persa da sala.
Isabella soltou uma risada. A primeira desde que saíra do escritório.
— Marta…
— Sim?
— Obrigada… por me fazer sentir em casa.
A mulher assentiu, e respondeu com doçura:
— Quem desperta a voz de uma criança… sempre terá um lugar onde houver silêncio.
E então se afastou, caminhando lentamente pelo jardim florido, enquanto Isabella permanecia ali, sozinha. Respirando fundo. O sol tocando sua pele e o nome dele ainda ecoando dentro do peito.
Lorenzo.
Porque por mais que desejasse manter-se firme, algo dentro dela já havia cedido. E Lorenzo… bem, ele não era um homem que recuava diante de um desafio.
Muito menos quando o desejo já era maior que o medo.

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