Três Meses
Noventa dias.
2.160 horas.
129.600 minutos.
7.776.000 segundos.
Mas naquele tempo que parecia ínfimo no calendário, o mundo dentro da mansão Vellardi havia se transformado por completo.
Aurora agora sorria.
Seus sorrisos, antes raros como flores no inverno, surgiam com uma frequência que fazia Marta, a governanta, suspirar diante do fogão com os olhos marejados, e Antonella esconder as lágrimas atrás das lentes dos óculos de leitura sempre que via a neta correr livre pelos corredores com a boneca Cacau nos braços.
Havia uma nova melodia ecoando na casa.
Não era música. Era riso, esperança. Era o som dos passos miúdos de Aurora pelas manhãs, das historinhas sussurradas ao entardecer, da água espirrando quando ela corria pelo jardim regado. O cheiro de bolo de laranja nas manhãs de domingo. E um sussurro delicado que nascia da convivência com Isabella:
Esperança.
Era o som da vida voltando a habitar um lugar onde, por muito tempo, só existia o silêncio do luto.
E no centro de tudo isso… estava Isabella.
Isabella, com seus vestidos simples e os olhos azuis que pareciam enxergar além do que era dito. Ela não chegou exigindo espaço. Ela conquistou cada centímetro com paciência, delicadeza e um amor silencioso.
E, sem perceber, se tornou mais do que uma presença.
Tornou-se abrigo.
Aurora agora dormia em seu quarto, o mesmo que há meses era evitado. Mas havia uma condição: só adormecia se ouvisse uma história. Às vezes, era Marta quem lia. Outras, Antonella. Mas naquela noite de terça-feira, perto das oito, ela foi clara.
Naquela terça-feira, pouco depois das oito da noite, Aurora estava inquieta. Deitada, com a boneca apertada no peito, olhava para a porta entreaberta com olhos que escondiam uma pergunta não dita.
— Marta… — chamou com a voz tímida, porém firme.
A funcionária apareceu segurando uma caneca com leite morno.
— Sim, senhorita?
Aurora hesitou. Mordeu o lábio inferior, abraçou Cacau mais forte, e finalmente disse:
— Chama a Isabella, por favor. Quero que ela leia para mim hoje.
Marta sorriu, tocada por aquele pedido. Não havia ainda se acostumado com a evolução da menina, era como ver uma flor se abrindo sob o calor do sol. Assentiu, com um carinho que transbordava pelos olhos.
— Claro, meu anjo. Eu já vou chamá-la.
Quando Isabella entrou no quarto, Aurora já estava sob o cobertor com as mãos pequenas enlaçadas sobre a barriga e os olhos atentos na porta, como quem esperava um milagre.
A luz suave do abajur desenhava sombras quentes no quarto. O livro já repousava sobre o travesseiro. A boneca Cacau, sempre presente, era seu amuleto.
— Alguém me contou que tem uma princesa aqui esperando pelo dragão azul… — disse Isabella, com a voz doce, pegando o livro e sentando-se ao lado da cama.
— E ele vai aprender a voar hoje? — sussurrou Aurora.
— Vai sim. Ele sempre aprende — garantiu Isabella, abrindo o livro e começando a leitura com aquela voz que parecia mágica.
Aurora ouvia atenta, com os olhos brilhando. Mas, em determinado momento, desviou o olhar do livro e encarou o teto. O lábio inferior tremia. E então, ela soltou:
— Isa…
— Sim, minha flor?
— Você vai embora?
Isabella sentiu o coração parar por um segundo.
Fechou o livro devagar, como quem sela uma promessa. Respirou fundo, tentando controlar o aperto que se formava no peito, e se aproximou da menina. Sentou-se ainda mais perto, pegando uma das mãozinhas miúdas entre as suas.
— Não — respondeu firme, mas com a voz embargada. — Eu não vou a lugar nenhum.
— Mas… a babá de antes… — Aurora hesitou. — Ela disse isso também. Disse que não ia me deixar. Mas um dia… ela foi embora sem nem dizer tchau.
Isabella mordeu os lábios, lutando para não chorar.
Isabella a encarou com ternura, apertando-a ainda mais nos braços.
— Eu vou ficar. Até você crescer. Até você ser uma mulher linda, forte, segura. E mesmo assim… se um dia você precisar de mim, eu venho correndo.
Aurora sorriu com os olhos fechando.
— Promete?
Isabella beijou sua testa.
— Com todo o meu coração.
A boneca Cacau caiu da cama. Isabella a pegou, ajeitando nos braços da menina.
— Agora vai dormir, meu amor. Você e a Cacau são as donas do meu coração. E esse coração está aqui, bem perto, só pra você.
A menina fechou os olhos, mais tranquila do que jamais estivera.
Mas antes de se entregar ao sono, murmurou com voz quase imperceptível:
— Boa noite… minha Isa.
E naquela palavra simples, dita como quem consagra um laço, Isabella entendeu:
Ela não era mais apenas a babá. Era afeto. Era laço. Era abrigo. Era… amor.
E Lorenzo?
Lorenzo permanecia à parte.
Ele evitava cruzar com Isabella sempre que possível. Limitava-se a vê-la brevemente nos cafés da manhã e, ocasionalmente, durante os jantares. Quando o fazia, seus olhos passavam por ela como se fossem relutantes, como se olhar demais fosse perigoso, como se escutar sua voz pudesse reabrir algo que ele lutava para manter trancado.
Mas mesmo em silêncio, o que havia entre os dois crescia.
Porque o que é contido, alimenta o desejo. E o que é negado, torna-se inevitável.
E naquela casa onde o tempo havia parado por tanto tempo… o relógio estava, finalmente, voltando a bater.

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