Entrar Via

A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar romance Capítulo 163

A casa dormia num silêncio diferente naquela noite. Do quarto de Aurora vinha a respiração miúda de quem lutou com o sono antes de render-se a ele. O abajur, aceso numa luz morna, espalhava um halo de segurança sobre os livros empilhados, os lápis de cor abertos e a “caixa de coragem” cuidadosamente fechada em cima da cômoda.

A menina adormeceu abraçada às bonecas Lila e Cacau . Tinha rezado baixinho com a vovó Antonella, e, quando as luzes baixaram de vez, sussurrou para o teto: “Mamãe Letícia, fica pertinho”. Os cílios pesaram, a mãozinha afrouxou e o mundo foi ficando macio, macio, até se dissolver numa claridade que não era do abajur nem da lua.

De repente, Aurora estava descalça sobre um caminho de pedrinhas brancas. O chão era morno e liso, o ar, perfumado. À esquerda e à direita, um jardim abria-se como um abraço. Rosas e jasmins, lavandas roxas, margaridas de olhos amarelos, um corredor de buganvílias pendendo em cachos. Havia uma fonte redonda ao centro, com água que caía em fios finos como cabelos e cada gota parecia fazer música.

Aurora olhou os próprios pés e riu de surpresa. Estavam limpos, apesar do chão de pedrinhas. O vestido que usava era o de dormir, azul-escuro com pontinhos que brilhavam como se fossem estrelas. “Estou no céu?”, pensou, mas não teve medo. O jardim cheirava a casa, a colo, a fim de tarde.

— Minha pequena estrela…

A voz veio de algum lugar entre os jasmins. Aurora virou-se com o coração b**endo rápido, do jeito que b**e quando a gente corre e, de repente, para. A voz voltou a soar, mais perto:

— Estou aqui.

De repente surgiu uma mulher jovem, de olhos azuis e cabelos castanhos. Usava um vestido branco, mas não do branco de hospital, era um branco das nuvens por trás do sol. Ela sorria, e Aurora lembrava do sorriso dela, era o sorriso da sua mamãe Letícia.

— Mamãe! — Aurora correu sem pensar, e quando os braços delas se encontraram, o jardim inteiro pareceu respirar junto.

O abraço foi demorado, daqueles que consertam as coisas sem fazer barulho. Letícia apertou a menina contra o peito e, por um instante, o tempo ficou pequeno, como se coubesse dentro daquele encontro. Aurora afundou o rosto no pescoço da mãe sentindo um cheiro que era metade flor, metade bolo saindo do forno.

— Eu sabia que você vinha. — disse a menina, quando conseguiu falar. — Eu pedi. Eu pedi muito.

— Eu escuto cada coisa que você me diz. — respondeu Letícia, afastando-se só o suficiente para olhar o rosto da filha, e com os polegares secou o brilho nos olhos dela. — Cada desenho que você faz, cada oração… tudo chega até mim.

Aurora respirou fundo, como quem precisa falar depressa antes que as palavras se espalhem.

— Mamãe, a mamãe Isa está doente. Ela está dormindo com aparelhos, e tem um barulhinho que faz bip bip… e todo mundo fala baixo. O papai está triste, vovó Antonella reza com o terço, tia Giulia fez brigadeiro de remédio, e a vovó Maria limpa as coisas que já estão limpas. Eu fiz uma caixa, mamãe. — Ela então gesticulou, tentando descrever a “caixa de coragem” com as mãos. — Tem pão de queijo e uma tiara de estrelas, porque, quando ela acordar, vai precisar brilhar muito. Eu… — a voz vacilou — eu tenho medo.

Letícia a escutou inteira. O jardim parecia inclinar-se também, como se as flores quisessem ouvir a menina.

— Mamãe, salva a mamãe Isa. — Aurora pediu, num sopro. — Por favor. Eu não quero que ela vá embora. Ela falou que não ia me abandonar.

Letícia pôs uma mecha de cabelo de Aurora atrás da orelha e sorriu, um sorriso que tinha força e ternura.

— Ela não vai te abandonar. — disse com calma. — Isa é valente, e está lutando. O corpo dela precisa de tempo para sarar, mas o coração dela sabe o caminho de volta. Eu não posso fazer tudo sozinha, meu amor… — ela pousou a mão sobre o peito da filha — mas nós duas podemos muito. Eu, daqui. Você, de pertinho.

— De pertinho… no hospital? — Aurora acreditou na mesma hora, como quem reconhece uma estrada.

— Sim. — assentiu Letícia. — Você precisa ir ao hospital vê-la. A sua voz é um mapa para ela. Quando você segurar a mão dela e disser “eu estou aqui”, haverá um fio ligando vocês duas. Você lembra quando a gente plantou um feijãozinho no algodão, naquela caixinha de sapato? Você falou com ele todo dia, e ele brotou. O amor é assim: fala e faz nascer.

Aurora passou o dorso da mão no nariz, um gesto de quem quer continuar forte.

— Eu vou. Vou falar com ela. Vou levar a caixa. Vou cantar a música do sono.

Capítulo 163 - Encontro Marcado 1

Capítulo 163 - Encontro Marcado 2

Verify captcha to read the content.VERIFYCAPTCHA_LABEL

Histórico de leitura

No history.

Comentários

Os comentários dos leitores sobre o romance: A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar