Elas continuaram caminhando. Às vezes Letícia se adiantava um passo, e o vestido sussurrava pelo caminho, às vezes Aurora puxava a mãe de volta, querendo contar cada detalhe.
— Mamãe, você acha que a Isa vai acordar quando eu chegar?
— Acho que ela vai te ouvir antes de abrir os olhos. — respondeu Letícia. — E, quando abrir, vai reconhecer a luz. A sua luz.
— Eu vou levar a tiara. — decidiu Aurora. — Se a luz dela estiver fraquinha, empresto a minha. Depois ela me devolve.
— Combina com ela. — sugeriu Letícia. — As trocas, quando são feitas com amor, voltam maiores.
Pararam onde o jardim parecia começar de novo. Ali, um banco de madeira esperava sob a sombra de uma árvore antiga. Letícia sentou-se e puxou Aurora para o colo. A menina acomodou-se naquele afago que nenhuma cama do mundo iguala.
— Lembra do dia em que você plantou o feijãozinho? — retomou Letícia. — Você acordava, olhava para o algodão e perguntava: “Já cresceu? Já cresceu?”. Crescer leva tempo, minha estrela. Curar também. Amar também. É preciso água, sol e cuidado. A Isa está nesse tempo de brotar outra vez. E você é parte do sol dela.
Aurora assentiu, absorvendo cada sílaba como quem guarda bússolas no bolso.
— Mamãe… — ousou a menina — e se eu acordar e esquecer o caminho do jardim?
— Não tem problema. — disse a mãe, beijando-lhe o alto da cabeça. — O jardim sempre vai existir dentro de você. E a mamãe sempre vai morar aqui dentro. — Leticia levou a mão ao peito de Aurora e tocou o lugar com ternura.
Elas ficaram algum tempo apenas olhando as borboletas. Aurora percebeu que cada uma delas parecia carregar um pedacinho do céu nas asas. A menina encostou a orelha no peito da mãe e ouviu algo parecido com o mar.
— Está quase na hora. — avisou Letícia, com doçura. — Quando você acordar, pede para a vovó te levar ao hospital. Leva a caixa de coragem. Se o papai estiver com medo, dá a ele um dos pãezinhos — o sorriso fez cócegas no ar — e diz que eu disse para ele respirar. Diz que está tudo caminhando.
— E o Benjamim? — Aurora quis confirmar, como quem confere se fechou a porta.
— Cuida dele. — pediu Letícia, e o pedido veio com uma luz que pousou nos ombros da menina como um xale de verão. — Ensina para ele as palavras que você gosta, os nomes das constelações do seu pijama, a história do dia em que você aprendeu a nadar sem rodinha. Quando ele chorar, você vai saber o que dizer, porque o seu coração já quer bem a ele faz tempo, mesmo antes do nome. Fala o nome dele, Aurora.
— Benjamim… — disse a menina, e o nome soou como semente caindo em terra boa. — Eu sou a sua irmã. Vem logo, tá? A gente tem muito pão de queijo para dividir.
Letícia sorriu, e havia no sorriso algo de promessa cumprida. Ela ajeitou uma mecha do próprio cabelo, olhou a filha de um jeito que ninguém no mundo imita, e sussurrou:


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