Lorenzo Vellardi
O som da UTI tem uma característica própria. Bipes compassados do monitor, o sopro rítmico do respirador, o sussurro das rodas das macas, vozes baixas que entram e saem como maré.
Eu estou sentado ao lado do leito, sem relógio, sem noção de horas. Só sei medir o tempo pela pulsação no pescoço de Isabella, pela luz que muda atrás da persiana e pelo intervalo entre uma prece e outra que eu murmuro só para ela.
Isabella parece pequena nessa cama grande. A pele está pálida, quase translúcida sob a luz branca. Um curativo claro na têmpora, outro protegendo o braço, o soro pingando num ritmo que virou o cronômetro das minhas esperanças. O tubo que lhe atravessa a boca me fere como se atravessasse a minha, cada suspiro que a máquina empurra é uma braçada que eu daria por ela se pudesse.
O médico foi objetivo, traumatismo craniano, um inchaço no cérebro e as próximas horas são cruciais. Entubada, sedada, protegida do mundo para que o corpo tenha tempo de organizar a volta. Eu repito essas palavras sem querer, como se repetir fosse parte do tratamento, como se delas pudesse tirar a promessa escondida que eu preciso ouvir.
Seguro a mão dela. Ela esta quente, e isso me acalma num grau que eu não teria coragem de admitir em voz alta. Eu passo o polegar devagar na base dos dedos, como faço quando ela dorme e eu tenho medo de acordá-la. Falo baixo, bem perto da orelha, para que a sedação não impeça o recado de encontrar caminho.
— Eu estou aqui, meu amor. — Minha voz sai áspera, como quem andou quilômetros por dentro. — Não vou sair. Pode dormir que eu fico aqui, cuidando de você.
Eu sei que a UTI não é lugar para promessas, mas eu as faço mesmo assim. Prometo o que sei e o que não sei, prometo o possível e o impossível, como todo homem que vê, de perto, o milagre e o precipício sentados na mesma cadeira.
Devagar, com cuidado de quem toca cristal, desço a mão até o lençol que cobre o ventre dela. O medo quer apertar minha garganta, e aperta, mas junto com ele existe uma ternura nova, incômoda de tão grande. Eu imagino um coração do tamanho de um grão de feijão batendo lá dentro, obediente, e me sinto menos sozinho. Abro um pouco a coberta, só o suficiente para que minha palma encontre o relevo macio da barriga. Fico assim, com a mão quieta, esperando o meu próprio coração desacelerar para que o que eu sinto de fora não confunda o que pulsa por dentro.
— Ei, pequeno… — digo baixo, como se contasse um segredo — sou eu, o teu pai. Eu sei, eu cheguei atrasado para o anúncio, para a primeira notícia, para o primeiro espanto. Cheguei como chegam os homens que acreditavam que o mundo tinha se fechado para sempre. E você já estava aqui, feito luz escondida. Seja forte como a sua mamãe. Ela é o lugar mais corajoso que eu conheço.
Fico alguns segundos em silêncio, a testa encostada no colchão, o nariz cheio desse cheiro limpo de hospital que eu detesto. Depois, continuo, para ele e para ela, como se a palavra fosse barco:


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