O relógio marcava exatamente 8h27 quando o sedan preto de alto padrão, com vidros escurecidos e pintura reluzente, parou diante do arranha-céu espelhado no coração financeiro da cidade. O edifício carregava no topo o nome da holding Vellardi & Renzi, em letras metálicas e elegantes, refletidas contra o céu acinzentado da manhã.
Antes mesmo que o motorista pudesse desligar o motor, um segurança já se posicionava ao lado da porta traseira. E então, ele saiu.
Lorenzo Vellardi.
Impecável. Preciso. Intimidante.
Vestia um terno cinza grafite de corte italiano, com caimento perfeito que destacava sua postura ereta e imponente. A camisa branca por baixo estava alvejante, sem um vinco fora do lugar. A gravata de seda preta, alinhada com o centro do corpo, conferia um ar de austeridade e controle absoluto. Sapatos oxford pretos, engraxados a ponto de refletirem o chão de mármore por onde passava. No pulso esquerdo, um relógio suíço com mostrador escuro e pulseira de couro, discreto, porém absurdamente caro. Cada elemento nele era uma extensão de sua personalidade, rigor, discrição e poder silencioso.
Os cabelos loiros estavam penteados para trás, revelando a linha firme da testa e os traços angulosos do rosto. E ali, emoldurando o maxilar forte, estava uma barba bem aparada, de espessura uniforme. A barba dava a ele um ar ainda mais maduro, viril, impenetrável. O tipo de homem que parecia saber exatamente o que fazia e exatamente o que escondia.
A barba cobria parcialmente o queixo, unia-se perfeitamente às costeletas e reforçava o contraste com os olhos: azuis, densos, como se tivessem visto demais e decidido não mostrar mais nada.
Lorenzo caminhava com os ombros retos, passos precisos, como se cada metro percorrido fosse cronometrado. Ele não cumprimentava, recebia cumprimentos. Apenas um aceno leve com a cabeça, e ainda assim, causava inquietação. Era o tipo de homem que não precisava levantar a voz para ser ouvido. Sua presença bastava.
À medida que avançava pelo saguão da torre de vidro e aço, os funcionários desviavam os olhos, endireitavam as costas, checavam a gravata, os sapatos e o crachá. A simples visão do presidente era um lembrete vivo de que ali se respirava excelência… ou se procurava outro lugar para trabalhar.
Elevador privativo, vigésimo sexto andar.
Ao sair, duas secretárias se levantaram de imediato. Uma entregou um relatório com as pautas da manhã, a outra curvou levemente num cumprimento formal.
— Bom dia, senhor Vellardi.
Ele apenas assentiu com um movimento de queixo. Não parou, não sorriu.
A porta da sala de reuniões já estava aberta. Lá dentro, sete diretores estavam sentados com papéis sobre a mesa e laptops abertos. Mas ao verem Lorenzo atravessar a entrada com a mesma frieza de um juiz prestes a anunciar sentenças, todos se levantaram num gesto instintivo, quase mecânico.
Lorenzo não pediu silêncio, ele era o silêncio.
Sentou-se à cabeceira da mesa, colocou a pasta de couro sobre o tampo escuro e abriu com movimentos meticulosos. Seus dedos longos manuseavam os documentos com calma cirúrgica, sem pressa, mas sem desperdício de gestos.
Ao seu lado, Marco Renzi, seu sócio e melhor amigo desde os tempos de universidade, o observava com atenção redobrada.
Havia algo… diferente.
Não nos gestos, estes, permaneciam calculados, metódicos como sempre. Mas nos olhos. Por trás da impassibilidade, Marco detectou um leve brilho. Um desvio sutil de foco, como se Lorenzo estivesse fisicamente presente, mas com parte dos pensamentos em outro lugar.
Ainda assim, quando falou, a voz de Lorenzo preencheu a sala com sua autoridade habitual:
— Comecemos.
Marco lançou o primeiro slide na tela de projeção.
— Resultados do primeiro trimestre. Tivemos um aumento de 4,2% no setor de logística e um crescimento de 8% no setor de tecnologia embarcada. Porém, o setor de infraestrutura urbana estagnou.
Lorenzo analisava os gráficos com os olhos fixos, expressão ilegível.
— Por que a estagnação? — sua voz era baixa, firme, cortante.
O diretor responsável pigarreou. Suava, apesar do ar-condicionado.
— Houve entraves com licenças ambientais e…
— Isso é uma desculpa. Não uma resposta. — Lorenzo o interrompeu sem erguer o tom. — As licenças não impedem a prospecção de novos contratos. Estão atrasados porque falharam em antecipar a burocracia. Eu pedi um planejamento proativo há três meses.
O homem tentou rebater, mas Lorenzo o encarou. E ninguém falava quando Lorenzo Vellardi encarava.
Os olhos dele eram como vidro temperado: belos, mas perigosos. Havia uma frieza neles que não admitia hesitação. E bastava um segundo sob aquele olhar para que o mais experiente dos executivos se lembrasse de quem estava no comando.
— Substituam a liderança de campo. — disse Lorenzo, ainda calmo. — Quero um plano de retomada sobre minha mesa em 48 horas.
— Sim, senhor.
— Próximo.
Marco conduziu a pauta com habilidade. Projetos na Ásia. Nova sede em Miami. Aquisição de uma fintech. Lorenzo opinava em cada ponto com precisão cirúrgica, sem espaço para rodeios. Nenhuma emoção. Nenhum sorriso.
Duas horas depois, a reunião terminou.
Os diretores se levantaram, alguns aliviados por sair ilesos, outros murmurando entre si, arrumando os papéis, evitando olhar diretamente para o CEO.
Marco fechou o iPad e o acompanhou até a sala privativa.
A porta se fechou. O silêncio era diferente, menos tenso, mais íntimo.
— Você está… estranho. — disse Marco, direto, encostando-se na estante. — Mais frio que o normal, porém com os olhos em chamas. Explica.
Lorenzo soltou um suspiro discreto e se serviu de um café preto na cafeteira de design minimalista.
— Estranho?
Marco sorriu de canto, já entendendo tudo.
— Está com medo de se apegar?
Lorenzo virou o rosto, cortando o amigo com um olhar duro.
— Estou com medo de Aurora se apegar. Ela perdeu a mãe com quatro anos. E eu… — ele respirou fundo — fui forçado a enterrar a única mulher que amei com as próprias mãos. Eu sei o que o luto faz. Eu sei o que o afeto arranca quando vai embora.
— E se ela não for embora?
Lorenzo virou-se por completo.
— Todo mundo vai embora.
Marco caminhou até a mesa, pegou a pasta e fechou devagar.
— Lorenzo… você criou um império em cima da dor, mas talvez seja a hora de parar de administrar a vida como um balanço financeiro. Pessoas não são previsíveis e talvez… talvez essa garota tenha algo que nem você consiga controlar.
Lorenzo permaneceu em silêncio. Os olhos perdidos, porém vivos.
— Ela te fez sentir alguma coisa, não fez?
— Ela me lembra Letícia… — sussurrou ele. — E eu não sei se estou pronto para lembrar.
Marco apenas assentiu.
— O problema com as lembranças é que… elas sempre levam a recomeços.
— Não diga besteiras, Marco. Ela é uma garota, e apenas uma babá, nunca será a minha Letícia.
— Leticia se foi meu amigo, mas você permanece aqui, vivo. Até quando vai viver o luto? Quando vai se permitir viver novamente?
Lorenzo encarou os olhos do amigo e suas orbes azuis estavam negras.
— Nunca!
Marco suspirou fundo e não disse mais nada. Lorenzo ficou ali, parado diante da cidade, o reflexo da própria imagem no vidro: impecável por fora… trincado por dentro.
E pela primeira vez em muito tempo, ele desejou… estar completamente errado.

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