O sol mal havia surgido no céu quando Lorenzo acordou. Na verdade, talvez nem tivesse dormido. O travesseiro estava amassado, mas a mente havia passado a madrugada em vigília. Cada vez que fechava os olhos, a mesma imagem voltava: Aurora, aninhada nos braços de Isabella, dormindo como se estivesse exatamente onde pertencia.
E aquilo o consumia.
Ele se levantou antes das sete. Tomou um banho rápido, vestiu uma camisa branca perfeitamente passada, abotoou cada botão com a precisão que lhe era habitual e vestiu uma calça social de corte sob medida. Ao passar o perfume, o gesto foi automático, ensaiado como todas as manhãs. Mas o olhar no espelho… não era o mesmo.
A barba estava mais escura naquele dia, como se o semblante já carregasse a sombra do que precisava ser dito.
Quando desceu para o café, encontrou a mesa posta como sempre, mas nem sinal de Aurora ou Antonella. Marta informou que a senhora havia saído cedo para visitar uma prima enferma e que Aurora ainda dormia no quarto.
— E a senhorita Fernandes? — perguntou ele, mantendo o tom impessoal.
— Acredito que esteja com a menina, senhor. As duas passaram boa parte da noite juntas.
— Já percebi. — respondeu seco, pegando uma xícara de café e subindo novamente.
Não queria conversar na mesa, à vista dos empregados. Aquela conversa exigia portas fechadas. Chegou diante da porta do quarto de Aurora e bateu duas vezes.
Nada.
Girou a maçaneta e empurrou com cautela. A luz do dia entrava pelas cortinas semi abertas, tocando os brinquedos espalhados, o tapete felpudo e os livros infantis sobre a cômoda. Isabella estava de costas, organizando a cama. Aurora não estava ali, provavelmente ainda estava no banho. Lorenzo parou no limiar, observando-a por alguns segundos.
Ela usava uma blusa bege de manga três quartos e uma saia longa azul-marinho. O cabelo loiro preso em uma trança solta, e os pés descalços deslizavam silenciosamente sobre o tapete. Havia algo absurdamente delicado em seus movimentos e irritantemente natural.
— Precisamos conversar. — disse ele, enfim.
Isabella se virou, surpresa com a presença, mas não recuou. Seus olhos encontraram os dele com firmeza. A expressão era calma, mas havia algo por trás… como se ela já soubesse.
— Claro, senhor Vellardi.
— Aqui não.
Ele se virou, saindo, e esperou que ela o acompanhasse até o escritório da casa, um cômodo forrado de madeira escura, estantes altas e janelas amplas com vista para o jardim.
Lorenzo entrou primeiro, se postando de pé ao lado da mesa de mogno. Isabella entrou logo depois e parou diante dele, mantendo uma distância segura.
— Quero que saiba que o que vi ontem à noite … — ele inspirou fundo — ultrapassou o limite da sua função nesta casa.
Ela ergueu uma sobrancelha, mas não disse nada.
— Dormir com Aurora daquela maneira, na cama dela, com ela em seus braços… — sua voz era baixa, mas carregada. — Não é apropriado. Não é o que espero de alguém contratado para cuidar dela, você não veio substituí-la.
— Eu não estou tentando substituí-la. — Isabella respondeu, com a voz firme, porém suave. — Aurora estava com febre, teve um pesadelo e pediu para que eu ficasse. Eu fiquei porque ela se acalmou no meu colo. E porque ela parou de chorar quando sentiu que não estava sozinha.


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