A noite havia caído sobre a mansão Vellardi como um véu denso, cobrindo cada parede com um silêncio opressor. Lá fora, o vento batia contra os vidros, sussurrando histórias que só os solitários conseguiam ouvir. No quarto de Isabella, o abajur ainda estava aceso. Ela tentava dormir, mas o sono não vinha. Ela lia um livro enquanto esperava o sono surgir.
E então veio o grito.
Rasgado. Doloroso. Um som que não parecia de um homem, mas de uma alma despedaçada.
Isabella sentou na cama num pulo. O coração martelava dentro do peito. O corpo congelou. Não era um barulho comum, não era um acidente qualquer, era um grito vindo das entranhas, de um lugar onde só se guarda o que é irreparável.
Sem pensar duas vezes, jogou os pés no chão, calçou os chinelos com pressa e enfiou o robe sobre o corpo. Correu pelo corredor, guiada apenas pela escuridão e pelos ecos daquela dor. O som vinha do final do corredor principal.
Do quarto de Lorenzo.
Parou diante da porta, com o coração aos saltos. Por um instante hesitou. Ele nunca havia permitido que ninguém se aproximasse dele. Nunca. Mas agora…
— Senhor Vellardi? — chamou, a voz baixa e trêmula.
Nenhuma resposta. Só um novo gemido, abafado e sufocante.
— Letícia… me perdoa… por favor, não vai… não vai embora…
Isabella fechou os olhos com força ao ouvir o nome. Letícia… a mulher que ele amou. A mulher que perdera. A mulher que o havia deixado sozinho com uma criança em pedaços.
Com o coração apertado, girou a maçaneta e entrou.
O quarto estava em semi escuridão. As cortinas pesadas balançavam com o vento que escapava de uma janela entreaberta. A luz fraca do abajur ao lado da cama permitia ver a figura de Lorenzo entre os lençóis revoltos, o corpo nu coberto apenas por um lençol até o quadril, as pernas entrelaçadas, os braços contraídos, os punhos cerrados como se ainda lutasse com o que não podia vencer.
— Lorenzo… — murmurou, se aproximando com cuidado, sentindo o nó se formar na garganta.
Ele se debatia. Transpirava. Sussurrava o nome da esposa como quem tentava impedi-la de partir mais uma vez.
— Está tudo bem… sou eu, Isabella. É só um pesadelo — disse com doçura, tocando levemente o ombro dele.
Mas antes que pudesse concluir o gesto, Lorenzo abriu os olhos num rompante e, ainda confuso, empurrou-a com força.
— O que você está fazendo aqui?! — gritou, com a voz rouca e repleta de fúria e o olhar selvagem de quem acabara de emergir do inferno.
Isabella tropeçou para trás, quase caindo no chão, mas conseguiu se segurar na poltrona ao lado. O susto fez seu coração disparar ainda mais.
— Eu… eu ouvi seus gritos — disse, com a voz embargada. — Achei que estivesse sendo atacado… só quis ajudar…
— Claro que ouviu — ele retrucou, com a voz baixa e venenosa. — E veio correndo, não foi? Sempre pronta. Sempre disfarçada de boa samaritana, esperando me pegar vulnerável o bastante para…
— O quê? — interrompeu, confusa. — O que está dizendo?
Ele se levantou da cama. A calça de pijama escorregava nos quadris. O peito nu, ainda arfando. O suor escorrendo pela clavícula, o cabelo colado à testa. Aquele homem que normalmente transbordava controle agora parecia um furacão prestes a destruir tudo ao redor.
— Você é igual a todas as outras — cuspiu. — Aposto que contou os dias pra que eu tivesse uma crise. Estava esperando por isso, não estava? Ansiosa para bancar a cuidadora, a salvadora… e no fim, se deitar na cama do patrão.

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