Oito meses …
Era esse o tempo que Isabella já havia passado na mansão dos Vellardi. Oito longos, intensos e transformadores meses.
Quando chegou ali, trazia consigo a leveza de um coração disposto e a força silenciosa de quem já conhecia a dor. Mas não imaginava o quanto sua presença mudaria aquela casa, nem o quanto aquela casa mudaria a sua alma.
Logo nos primeiros dias, ela entendeu que Aurora era mais do que uma criança solitária: era um coraçãozinho ferido que não sabia mais como confiar. Era uma alma silenciosa, acostumada ao eco das ausências, à sombra dos traumas.
Mas com paciência, com histórias sussurradas ao pé da cama e promessas em forma de abraços apertados, Isabella foi conquistando um espaço. Não apenas no quarto da menina, ou na rotina dos dias. Mas no sorriso, no olhar, na esperança.
As manhãs tornaram-se suaves.
Isabella acordava cedo, preparava o café da menina, cantava canções baixinho enquanto penteava os cabelos loiros de Aurora, colocando pequenos laços de cetim que combinavam com o humor da criança. Se o dia estava cinza, usava um laço amarelo. Se o céu estava limpo, escolhia o azul.
Aurora aprendeu a acordar sorrindo. Aprendeu a dizer bom dia com brilho nos olhos. Aprendeu que carinho não machuca. Que presença não fere. Que amor… acolhe.
Todos os dias, Isabella a levava para a escola. Entrava com ela, conversava com as professoras, cumprimentava as outras mães. Logo soube os nomes das coleguinhas: Sofia, Maitê, Estela. Sabia até quem sentava ao lado de quem na hora da merenda.
No fim da aula, Aurora corria para os braços dela com os olhos brilhando:
— Isa! Hoje a Sofia dividiu o biscoito comigo!
E Isabella ria, abraçava-a com ternura e as duas voltavam para casa como duas melhores amigas.
À tarde, passavam horas no jardim.
Brincavam de inventar histórias com folhas secas e pedrinhas. Faziam piqueniques imaginários com frutas cortadas em formato de estrela. Às vezes, Isabella levava livros da biblioteca da mansão e lia deitada na grama, enquanto Aurora descansava com a cabeça em seu colo.
À noite, o ritual era sagrado.
Banho morno com espuma. Pijama cheiroso, leite com mel e uma história, sempre uma história. Aurora agora dormia em paz, sem os choros da madrugada, sem os gritos dos pesadelos. Dormia abraçada com Cacau, a boneca de pano com olhos de girassóis que Isabella havia lhe dado no dia em que chegou em sua casa. E às vezes, murmurava baixinho, antes de fechar os olhos:
— Boa noite, Isa. Te amo.
Isabella saía do quarto sempre com os olhos úmidos. Porque aquele “te amo” era a cura para todas as dores.
Enquanto tudo isso acontecia, Lorenzo fazia o possível para evitar a babá.
Desde o dia em que a magoou com palavras cruéis, palavras que ele se arrependia toda vez que lembrava, não teve coragem de se desculpar. A vergonha o impedia e o orgulho também.
Mas ele via.
Via Aurora sorrindo, correndo, cantando. Ele notava a leveza da filha, o brilho que havia voltado aos seus olhos. E sabia. Sabia que aquilo não era obra do acaso.
Era ela. A babá, Isabella.
Mesmo sem olhar para ele, sem trocar palavras, sem dirigir nenhum gesto… ela estava transformando a vida da filha dele. E isso o confundia. Porque ele não conseguia mais odiá-la. Porque ele sabia que ela não estava ali para tomar o lugar que era de sua amada Letícia, estava apenas para ajudar sua filha a lidar com a dor da perda, coisa que era função dele e que ele não tinha conseguido. Muito pelo contrário, Lorenzo não sabia lidar com a perda da amada esposa e se afastava cada vez mais.
Depois do que fez naquela noite, ele não sabia mais como se aproximar.
Naquela tarde, Lorenzo estava em seu quarto. Usava apenas um short de tecido leve. Estava deitado sobre a cama, o notebook apoiado nas pernas, os olhos passando por relatórios, contratos e gráficos que já não lhe diziam muita coisa.
O sol entrava pelas janelas abertas, iluminando o quarto com uma luz morna. Havia um certo silêncio reconfortante. Até que a porta se escancarou com um baque.
— PAPAI!
Aurora entrou correndo, os cabelos soltos esvoaçavam, as bochechas estavam coradas e o sorriso era tão grande que quase não cabia no rosto.
Lorenzo ergueu os olhos, surpreso.
— Ué… — ele murmurou, afastando o notebook. — Que pressa é essa?
A menina pulou na cama com a agilidade de quem já não tem medo de nada. Trazia uma boneca de pano nos braços. A roupa da boneca era florida, o vestido bordado com pequenos girassóis.
Lorenzo sentiu o coração apertar. Respirou fundo, tentando segurar a emoção, e a abraçou com força.
— Eu também te amo, pequena. Você é o meu tudo.
Do lado de fora da porta, Isabella estava parada no corredor, com uma bandeja nas mãos. Havia ido preparar um lanche para Aurora e quando voltou para o quarto, não conseguiu evitar ouvir a conversa calorosa entre pai e filha.
Mas aquele som… A risada de Lorenzo.
Forte, vibrante, despreocupada era algo raro e muito bonito.
Ela encostou discretamente no batente da porta, sem fazer barulho. Ficou ali, apenas ouvindo. O som da felicidade preenchendo o quarto como um perfume bom. E o coração dela… se aquecendo. Era por isso que ela estava ali. Era por isso que suportava tanto. Foi então que percebeu a presença de alguém ao lado.
Antonela estava parada a poucos passos, observando em silêncio. Os olhos marejados, o sorriso contido no rosto da mais velha. Ela a alegria retornando aos poucos para o seu lar que passou tantos anos na escuridão.
Ela se aproximou devagar, tocou o ombro de Isabela com delicadeza e sussurrou, com a voz embargada:
— Obrigada.
Isabella tentou sorrir, mas os olhos também se encheram de lágrimas.
— Eu só estou tentando cuidar dela.
— Está fazendo muito mais do que isso. — Antonela respondeu. — Está curando.
E as duas ficaram ali, ouvindo o som da felicidade que, por tanto tempo, parecia ter sido banida daquela casa. Agora… ela estava de volta. E tinha nome.
Aurora…
E por trás dela, com a força de uma alma gentil, estava Isabella.
A babá que chegou devagar e mudou tudo.

Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar