O aroma de café recém-passado se espalhava pelos corredores da mansão Vellardi como um convite silencioso para um novo dia. Pão assado, frutas cortadas com precisão quase cirúrgica, suco de laranja espremido na hora, flores frescas em um arranjo central que mudava todos os dias, como se a rotina fosse uma arte cuidadosamente ensaiada.
Mas não havia nada de rotineiro naquele ambiente. A mansão era bela, sim. Rica em detalhes, sim. Mas também carregada de silêncios. De ausências. E, naquela manhã, carregada de tensão.
Isabella desceu as escadas como quem entra em um campo de batalha. Os passos eram leves, mas o coração pesava. Não havia dormido. Ou, se dormira, não foi o bastante para apagar as palavras da noite anterior. Ainda sentia o gosto delas na garganta. Palavras venenosas, cravadas como espinhos. As mãos dele em seu braço. A voz fria. A raiva injusta.
O vestido floral que usava naquela manhã balançava suavemente ao ritmo do corpo, leve, discreto, mas ainda assim feminino. De alças finas e tecido fluido, a saia batia pouco acima dos joelhos, revelando uma pele macia que o sol da Toscana começava a beijar. Não era provocação. Não era sobre ele. Era sobre si mesma. Um lembrete silencioso de que ainda era dona de quem era, mesmo depois de ter sido reduzida a nada por um olhar.
— Isa! — gritou uma vozinha animada do fundo do corredor. Aurora correu como uma flecha, os cabelos soltos esvoaçando, a boneca Cacau balançando no braço e Lila no outro. — Senta comigo hoje! Por favor!
Isabella se agachou e abraçou a pequena com carinho, sentindo um nó doce e apertado no peito.
— É claro que sim, meu amor. Mas tem que prometer que vai comer tudo. Inclusive o mamão.
— Ahhh… só se você cortar pra mim! — disse Aurora, fazendo um biquinho.
— Combinado.
Antonella surgiu logo atrás, usando um conjunto de linho em tons nude e um sorriso genuíno nos lábios.
— Ela está cada vez mais encantada por você, Isabella. A casa… tem mais vida com você por aqui. — disse, com um brilho sincero nos olhos.
Isabella apenas assentiu, tocada pela gentileza. Estava prestes a responder, quando o som de passos firmes cortou o ambiente. Não precisava olhar para saber quem era. Era como se o ar mudasse com a presença dele. Lorenzo.
Ele surgiu na porta da sala de jantar como um personagem saído de um romance perigoso. Um terno cinza escuro moldava o corpo alto e atlético, a camisa branca impecável contrastava com a pele dourada. Os cabelos loiros penteados para trás revelavam as linhas marcadas do rosto. E os olhos… os olhos eram de aço.
Frio. Distante. Lindo. Assustador.
— Bom dia. — disse ele, sem emoção, e caminhou até a cabeceira da mesa.
O “bom dia” dele foi educado, mas não caloroso. Foi como um selo de presença, uma formalidade. Ele se sentou. Isabella acomodou-se ao lado de Aurora. Por um instante, ela sentiu o olhar dele queimar em sua direção. Mas não ergueu os olhos. Não precisava.
— Dormiu bem, Isabella? — ele perguntou, com uma voz calma, mas carregada de intenção.
Ela levantou o olhar devagar, como quem aceita um duelo.
— Muito bem, senhor Vellardi. E o senhor? — sorriu de canto, com veneno doce — Não teve mais pesadelos?
Silêncio.
A colher dele, que estava a caminho da xícara, parou no ar.
Antonella ergueu o olhar, intrigada. Era inteligente, percebeu o clima tenso entre os dois, mas preferiu ficar calada.
— Estou bem. — ele disse, seco. — Costumo me recuperar rápido de… incômodos.
Isabella fingiu um sorriso e levou o chá à boca. Mas o coração batia rápido. Ele sabia. Sabia exatamente o que estava fazendo. Cada palavra, cada olhar, era um jogo perigoso.
— Isa me contou uma história de dragões! — gritou Aurora, animada. — O dragão azul aprendeu a voar!
— Dragões, hein? — murmurou Lorenzo, enchendo sua xícara com café. — Gosta de contos de fadas, Isabella?
Ela pousou a xícara com delicadeza. E então respondeu, com a voz baixa e firme:
— Gosto de finais justos. Onde o monstro, às vezes, só precisa lembrar como ser humano.
Aurora soltou uma risadinha, mas Antonella segurou o olhar em Isabella, surpresa com a firmeza.


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