Lorenzo Vellardi
O cheiro de café fresco me atingiu antes mesmo de alcançar a escada. Era um aroma familiar, acolhedor… e, ainda assim, naquele dia em especial, parecia carregado de algo mais. Como se o ar da casa tivesse absorvido a tensão da madrugada e agora exalasse desejo mal resolvido, raiva contida… e vergonha.
Desci os degraus devagar, o corpo coberto pelo usual: camisa branca impecável, calça escura e o relógio de couro no pulso. A gravata, dessa vez, ficou esquecida sobre a cama. Não que alguém fosse notar a ausência, exceto talvez ela.
Isabella.
O nome dela veio como um soco no estômago.
Os flashes da noite anterior ainda estavam cravados em mim, o modo como ela gemeu de susto ao me ver na cozinha, o vidro estilhaçando no chão, o ombro nu revelado pela alça que escorregou… e os mamilos marcados sob o tecido fino da camisola. E depois, o silêncio. Aquele maldito silêncio carregado de tudo que eu lutei para não sentir.
Passei a mão pelos cabelos, forçando-me a controlar a respiração.
Era apenas mais uma manhã. Apenas mais um café da manhã qualquer.
— Lorenzo! — chamou minha mãe com entusiasmo ao me ver atravessar o corredor.
Ela estava sentada à cabeceira da mesa do jardim de inverno, onde costumávamos tomar café nos dias mais amenos. Aurora estava em seu colo, rindo de alguma piada, e à direita… lá estava ela.
Isabella.
De vestido simples floral, com os cabelos presos em uma trança solta que caía sobre o ombro. O rosto iluminado pela luz suave da manhã. Os olhos verdes desviaram dos meus por apenas um segundo antes de voltarem ao prato como se nada tivesse acontecido.
Como se ela não estivesse nos meus pesadelos. Como se não estivesse nos meus pensamentos desde que se mudou para esta casa.
— Bom dia. — murmurei, forçando uma neutralidade que me custou caro.
— Bom dia, papai! — disse Aurora, correndo até mim. — Eu contei pra Isa que você gosta de café amargo!
“Isa.” Ela já chamava a babá por um apelido. Ótimo. Um laço emocional em pleno crescimento. Outra linha frágil que eu provavelmente não conseguiria romper quando tudo desabasse.
— É mesmo? — murmurei, abaixando-me com dificuldade para beijar minha filha. — Ela sabe mais do que devia.
— Eu sou uma boa observadora. — disse Isabella, com um sorriso discreto, mas os olhos fixos em mim diziam outra coisa, era uma provocação silenciosa.
Me sentei à mesa, sentindo os músculos tensos. Peguei a xícara de café e mantive o olhar nos biscoitos de aveia, apenas para não encarar o decote sutil do vestido dela.
Isabella mordeu um pedaço de pão. A forma que seus lábios tocaram o pão, de maneira lenta, quase teatral, agitaram algo dentro de mim. Seus olhos se encontraram com os meus por cima da xícara, e por um instante, tudo ao redor silenciou. Aurora falava, a chaleira apitava, minha mãe ria… mas nada existia além do verde tempestuoso daqueles olhos.
Ela sabia. Sabia que eu tinha ficado acordado. Sabia o quanto me perturbava.
E pior… gostava disso.
— Dormiu bem, meu filho? — minha mãe perguntou, servindo-se de suco.
— Como um bebê. — menti.
— Está com cara de quem passou a noite em claro. — Isabella falou sem me encarar.
Larguei o garfo no prato com delicadeza, mas meus olhos não escondiam a faísca de raiva. Nem o desejo.
— E você, Isabella? — perguntei, inclinando-me um pouco, a encarando com intensidade. — Costuma dormir bem depois de bisbilhotar a casa de madrugada?
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Costumo dormir mal quando sou informada que devo permanecer presa nos meus aposentos.
— Não seja debochada, menina.
— Não, estou sendo senhor Vellardi. E meu nome é Isabella!
— Já chega. — minha mãe se intrometeu— Vocês dois parecem adolescentes disputando um prêmio invisível. Isabella está aqui por causa da Aurora e Lorenzo, você precisa lembrar disso.
Aurora, que comia em silêncio, olhava para nós dois parecendo confusa e assustada.
— Eu… gosto da Isa. — sussurrou — E não gosto quando vocês brigam.
As palavras da minha filha atravessaram meu peito como uma flecha. Algo dentro de mim se quebrou, eu não podia magoar meu girassol.
— Você tem razão, minha flor. — murmurei. — O papai está só… cansado.
— Cansado? — Isabella murmurou, irônica. — Eu chamaria de algo mais próximo de… em negação.

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