A mansão estava mergulhada no mais absoluto silêncio. Lá fora, o vento balançava levemente as árvores do jardim, e os galhos lançavam sombras longas e retorcidas pelas janelas do segundo andar. No interior, apenas o tique-taque constante do relógio da sala soava como um lembrete cruel de que o tempo seguia, mesmo quando o coração insistia em ficar preso no passado.
Lorenzo subiu as escadas devagar, o blazer pendurado no antebraço, os passos lentos como se, a cada degrau, carregasse mais peso do que o anterior. O som das risadas de Aurora com Isabella ainda dançava em seus ouvidos, como uma melodia suave que, por algum motivo, continuava a tocá-lo mais do que deveria.
Naquele fim de tarde, ao ver Isabella vendada tropeçar e cair direto em seus braços, o mundo pareceu parar por segundos. O perfume doce do cabelo dela, o calor do corpo encostado ao seu… o olhar assombrado e encantado que ela lançou quando retirou a venda e viu quem a segurava. Aquilo o desarmou totalmente.
E então Aurora disse aquilo. “Tia Isa parece uma daquelas cenas dos livros de princesa…”
Aquela frase, tão inocente e espontânea, o atingiu como um golpe traiçoeiro. Porque Isabella parecia, de fato, uma dessas mulheres que surgem nos contos, mas não pelas roupas ou gestos. Era por aquilo que ela despertava. Pela forma como iluminava o ambiente apenas com um sorriso, como se fosse feita de aurora, vento e ternura.
E Lorenzo não sabia o que fazer com isso.
Ele entrou no próprio quarto, largou o blazer na poltrona e soltou um longo suspiro. A gravata ainda pendia frouxa no pescoço, e os olhos azuis, normalmente tão firmes e controlados, estavam turvos, distantes. O paletó fora jogado sobre o encosto da cadeira, como se até ele sentisse o peso do dia.
Ele pegou o retrato com as duas mãos e sentou-se à beira da cama. Encostou os cotovelos nos joelhos e ficou olhando para aquele sorriso congelado no tempo.
Letícia.
A mulher com quem jurou dividir a vida. A mulher que lhe deu Aurora. A mulher que partiu cedo demais.
Era uma fotografia antiga. Letícia estava sorrindo com suavidade, os cabelos soltos balançando ao vento, os olhos castanhos brilhando como se o mundo fosse um lugar seguro, bonito… possível. Ela era o amor da sua vida. Tinha sido. A única mulher que ele deixou entrar em sua alma sem resistência. A única que ele perdeu… e que levou com ela uma parte dele que ele acreditava nunca mais encontrar.
— Se você estivesse aqui… — murmurou, a voz baixa e rouca. — Me diria que estou sendo um covarde, não é?
O silêncio respondeu com o mesmo peso de sempre.
Mas agora, agora havia Isabella.
Fechou os olhos por um instante. A imagem dela invadiu sua mente com uma força inquietante. O som do riso abafado dela brincando com Aurora, os olhos verdes que reluziam como a relva molhada ao amanhecer, os cabelos dourados soltos, a pele suave, as curvas escondidas sob vestidos delicados e, acima de tudo, o coração. Um coração tão imenso, tão entregue, tão… perigoso.
Perigoso porque fazia com que ele quisesse… sentir.
Lorenzo passou os dedos lentamente sobre a moldura da fotografia. Apoiou os cotovelos nos joelhos e inclinou a cabeça, falando quase num sussurro, para não ouvir sua própria voz quebrar:
— Eu tentei… juro que tentei manter tudo no lugar. Manter distância. Ser só o patrão, o pai, o homem que tem tudo sob controle. — Riu sem humor. — Mas ela… Letícia… ela tem algo.
Engoliu em seco, e seus olhos voltaram à foto. Parecia que ela o encarava com doçura, como se compreendesse tudo, como sempre fazia. Mas ele não conseguia se perdoar.
— Eu sei que prometi. Que disse que jamais abriria espaço para mais ninguém. Que você sempre seria o único amor da minha vida…
Seu tom vacilou. O silêncio em volta parecia mais denso agora, como se a mansão ouvisse. Como se os fantasmas da saudade caminhassem pelos corredores, atentos a cada palavra.
— Mas ela… ela está mexendo comigo. Não era para acontecer. Não assim, não tão rápido.


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