Isabella caminhava com passos suaves e ritmados pela calçada sombreada pelas árvores centenárias que ladeavam a rua. Os raios do sol filtravam-se entre os galhos altos, criando desenhos dourados no chão, enquanto uma brisa morna e constante balançava seus cabelos presos num coque solto, quase negligente. Usava um vestido de alças floral e sandálias simples nos pés, trajes típicos de alguém que cresceu num interior simples.
Sua respiração era tranquila, mas seus olhos estavam atentos, cada gesto, cada som, cada detalhe ao seu redor parecia mais vivo naquela tarde.
Ao seu lado, Aurora caminhava com passos curtos e ligeiramente desajeitados, como se o mundo fosse grande demais para conter sua curiosidade. A menina segurava a mão de Isabella com firmeza, os dedinhos pequenos entrelaçados aos seus, e a cada novo som ou imagem, seus olhos enormes se arregalavam como se estivessem descobrindo o universo pela primeira vez.
Foi Isabella quem insistiu em buscá-la pessoalmente naquele dia. Dispensou o motorista com um sorriso calmo e uma voz doce:
— Hoje eu quero um tempo só com ela.
Antonella havia permitido, é claro, sempre apoiava os momentos em que Isabella desejava estar com a pequena. Mas dentro de si, Isabella sabia que Lorenzo não ficaria nada feliz ao descobrir. Mesmo assim, ela havia assumido o risco. Algo dentro dela pulsava mais forte naquela tarde dizendo que aquele momento era importante. Que aquele tempo compartilhado, ainda que simples, tinha um valor imenso.
— Você sabia que tem um parque bem aqui perto da sua escola? — perguntou Isabella, abaixando-se um pouco para nivelar seu olhar ao de Aurora.
A menina ergueu o rosto. Seus olhos azuis, profundos como lagoas calmas, fitaram os dela com curiosidade.
— Tem árvores enormes, um laguinho com patinhos que fazem barulho engraçado, bancos de madeira e até um escorregador vermelho gigante. — Isabella sorriu. — Que tal a gente passar lá antes de ir pra casa? Só nós duas… o céu azul… e um sorvete no final?
Aurora hesitou por um segundo, depois seus lábios se curvaram num sorriso contido. Não disse nada, como de costume. Mas Isabella leu em seu olhar aquilo que as palavras ainda não traduziam: a menina queria. Queria estar ali. Queria estar com ela.
— Então vamos — disse Isabella, apertando um pouco mais sua mão. — Vamos viver esse pedacinho de céu, minha pequena.
Elas seguiram caminhando de mãos dadas, os passos de Aurora agora mais leves, eram quase dançantes. O portão do parque rangeu ao ser empurrado. Lá dentro, o cenário parecia saído de um quadro impressionista: mães com carrinhos de bebê riam sob a sombra das árvores, idosos jogavam cartas animadamente ao redor de uma mesa improvisada, e crianças corriam na grama, livres, descalças e soltas.
Aurora soltou um risinho ao ver um esquilo saltando de uma árvore para a cerca. Seus dedinhos apontaram com empolgação, e Isabella acompanhou o gesto, rindo junto, encantada com a pureza daquela reação.
— Você viu como ele é rápido? — comentou Isabella, levando a menina para um banco próximo ao laguinho. — Aposto que queria roubar o lanche de alguém.
Aurora cobriu a boca com a mãozinha e balançou a cabeça num gesto divertido.
Isabella sentou-se no banco de madeira, puxando a menina para seu colo. Ali, naquele instante de paz silenciosa, ela sentiu o mundo se alinhar. Olhou para Aurora com ternura, alisou seus cachos dourados e murmurou:
— Eu sei que você ainda não fala comigo, meu amor. Mas eu te entendo. De um jeito que nem sei explicar. Eu sinto você aqui dentro. — Ela levou a mão ao peito. — E sabe o que mais? Eu não tenho pressa. Quando você quiser, quando se sentir segura… eu estarei aqui. Sempre.
Aurora apenas repousou a cabeça em seu ombro, em silêncio. Mas seu corpinho relaxou por completo. E Isabella, com os olhos marejados, fechou os olhos por um instante.
Foi então que a paz se rompeu.
Um rosnado rouco, pesado, denso, soou como um trovão abafado. Isabella arregalou os olhos e girou o corpo instintivamente, protegendo Aurora. A poucos metros, surgia de entre os arbustos um cão de grande porte, com pelos escuros eriçados, olhos esbugalhados e mandíbula aberta. A baba escorria de seus dentes enquanto o animal avançava, com o corpo tenso e a mira cravada na criança.
— Aurora, atrás de mim! — gritou Isabella, com a voz mais feroz que jamais ouvira sair de sua própria boca.
Ela se colocou diante da menina, os braços abertos, o coração disparado. O instinto havia falado mais alto que o medo.
Mas não houve tempo.
O cão avançou num salto, feroz, e Isabella ergueu o braço com um reflexo quase sobre-humano. A mordida veio como uma descarga elétrica. Os dentes afundaram em sua pele com violência. O grito foi seco, rasgado, partindo os ares como um raio:
— AAAAHHHHHH!
Ela caiu de joelhos, mas não soltou Aurora. A dor era lancinante, o sangue jorrava quente, escorrendo pelo braço. E mesmo assim, seus olhos só buscavam a menina. Seu corpo inteiro tremia, mas ela não cedeu.
O dono do animal apareceu correndo, gritando:
— Vai passar… — Isabella respondeu, e a puxou para um abraço apertado. — Você está aqui comigo, e isso já faz tudo valer a pena.
Aurora se lançou em seus braços, e Isabella a apertou com toda a força que ainda tinha. O cheiro dos cabelos da menina, o calor de seu corpo pequeno, a confiança que ela depositava nela… tudo era maior do que a dor, maior do que o sangue.
Ali, naquela tarde de sol rachado e terror repentino, nasceu algo que nenhuma tempestade poderia apagar.
A voz de Aurora.
E a certeza de que Isabella faria qualquer coisa por ela.
— Vamos pra casa, meu amor — disse, beijando sua testa. — Vamos pra casa.
E entre lágrimas, braços entrelaçados e corações batendo em uníssono, elas se afastaram do parque. Porque, às vezes, é no meio do medo que o amor mais verdadeiro encontra sua voz.
Aurora havia falado, não por acaso, nem por mágica. Mas porque, ali, diante do perigo, havia alguém disposta a se ferir por ela. A protegê-la com o próprio corpo. A amá-la mesmo sem laços de sangue.
Isabella não sabia o que viria depois. Sabia apenas que aquele instante havia mudado tudo.
Mas… e quando Lorenzo souber?
Quando o homem que controla tudo descobrir que Isabella, mesmo ciente de suas ordens, dispensou o motorista, levou sua filha sozinha pelas ruas, expôs a menina a um ataque e saiu machucada, sangrando, com Aurora nos braços?
O que será mais forte: a fúria de um pai… ou a verdade de um amor que salvou sua filha?
E se o medo de perder o controle for maior que a gratidão por ter a filha de volta… quem Lorenzo escolherá proteger?

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