Os dias continuavam passando, arrastando-se como folhas presas ao vento, sem direção exata. Não havia discussões abertas, nem palavras exaltadas, tampouco declarações que pudessem rasgar o silêncio denso que havia se instalado entre eles.
Mas alguma coisa havia mudado. Não se tratava de gestos óbvios ou mudanças gritantes, era sutil, como a dobra de um lençol de linho antigo que, mesmo depois de lavado e esticado, carrega para sempre o vinco daquilo que já foi.
A relação entre Lorenzo e Isabella estava marcada por esse vinco. Invisível, mas irremovível.
Aurora, por outro lado, florescia como uma pequena árvore em primavera. Suas risadas voltaram a preencher a casa, e ela agora gostava de passar as tardes no jardim, com os joelhos sujos de terra e as pontas dos dedos manchadas de tinta. Pedia que Isabella lhe contasse histórias enquanto desenhava: histórias sobre reinos flutuantes, navios feitos de nuvens, princesas valentes que cruzavam desertos em busca de si mesmas… e dragões. Dragões solitários, que choravam escondidos no alto de montanhas geladas, sem que ninguém soubesse.
— Esse dragão é o papai? — Aurora perguntou um dia, com a voz baixa, meio rindo, meio séria, com os olhos semicerrados pelo sol e pela travessura.
Isabella sorriu e se inclinou, beijando de leve a testa da menina, abafando a pontada que sentiu no peito.
— Talvez seja… mas não conte a ele — disse, em tom conspiratório. — Dragões odeiam ser desmascarados.
Aurora riu e voltou a colorir. Mas Isabella ficou com aquela pergunta ecoando na mente por muito mais tempo.
Um dragão ferido.
Era exatamente isso que Lorenzo parecia. Cheio de poder e força, mas escondido atrás de camadas de pedra, exalando fogo e silêncio sempre que alguém chegava perto demais.
Naquela mesma tarde, Lorenzo saiu do escritório antes do que de costume. Tentava trabalhar, mas a concentração escorria pelos dedos como areia seca. Estava incomodado, com o calor, com o silêncio pesado da mansão, com a própria inquietação que não sabia nomear. Um incômodo que começava no fundo do peito e se espalhava pelo corpo inteiro, como se algo dentro dele estivesse fora do lugar.
Subiu as escadas lentamente, com as mãos nos bolsos, e seguiu até a biblioteca do segundo andar, seu refúgio particular. Um lugar que, até então, acreditava ser apenas seu. Ninguém mais da casa costumava ir até ali. O cheiro dos livros antigos, o som abafado dos próprios passos sobre o tapete espesso, a luz filtrada pelas janelas altas… tudo naquela sala costumava acalmá-lo.
Mas naquele dia, ao empurrar a porta de madeira escura, encontrou algo, ou melhor, alguém que não esperava.
Isabella.
Ela estava de costas para ele, em pé diante da estante mais alta, esticando o corpo para alcançar um volume no alto. Usava um vestido branco, solto, que balançava levemente com a brisa vinda da janela aberta. O tecido fino colava-se às suas curvas com uma naturalidade desconcertante. Os cabelos estavam soltos, espalhados pelas costas como um rio dourado escorrendo até a cintura.
Por um momento, Lorenzo apenas ficou ali, observando. Como se fosse incapaz de se mover. Como se aquilo, aquela imagem, fosse uma pintura viva, e ele estivesse preso entre a vontade de tocá-la e o medo de profaná-la.
— Precisa de ajuda? — ele disse, por fim. A voz saiu mais baixa e rouca do que pretendia, traindo seu próprio desconforto.
Isabella se sobressaltou, quase deixando cair os dois livros que já segurava. Virou-se com um pequeno suspiro, surpresa evidente nos olhos.
— Senhor Vellardi… me desculpe, eu…
— Já pedi para não me chamar assim — cortou ele, num tom contido, mas carregado.
— É difícil se referir a alguém que insiste em manter distância — rebateu ela, sem perder o tom suave. Havia um meio sorriso nos lábios, mas o olhar dizia outra coisa, cansaço, mágoa, talvez um fio de ironia.
Ele entrou na sala devagar, com os passos contidos e o olhar preso nela.
— O que procura aqui?
— Inspiração — respondeu, erguendo um dos livros. — As histórias que conto para Aurora precisam de novos mundos. E a biblioteca está cheia deles.
— Está usando meus livros para suas invenções infantis?
— Claro. Vocês têm uma linda edição ilustrada de mitologia grega. Aurora adorou Héstia, acredita?
Lorenzo a observou em silêncio por alguns segundos. Era inevitável: os olhos dela ganhavam um brilho quase mágico quando falava da menina. E isso… isso mexia com ele. De um jeito que não queria admitir. De um jeito que odiava. Porque sentir algo era perigoso. Sentir era ceder. E ele não podia ceder.
— Sim… obrigada — disse ela, engolindo em seco, recuando dois passos.
O silêncio que se seguiu era quase tangível, denso, cheio de tudo que não tinham coragem de dizer.
— Isso… não deveria ter acontecido — murmurou Lorenzo, mais para si mesmo do que para ela.
— Concordo — respondeu Isabella, sem desviar o olhar. — E ainda assim, aconteceu.
Ele fechou os punhos. O autocontrole, seu velho escudo, começava a trincar.
— Cuidado, Isabella.
— Com o quê?
— Com a maneira como me olha.
Ela ergueu uma sobrancelha, provocadora, mas sem perder a leveza.
— E o senhor deveria ter mais cuidado com a forma como me toca. Mesmo sem querer.
Por um instante, nada se moveu. Só os corações, batendo rápido, descompassados, como se corressem por caminhos opostos rumo ao mesmo destino.
Lorenzo virou-se de repente, como se a fuga fosse sua única salvação, e saiu da sala com passos firmes e apressados. Como se fugir dela fosse, de alguma forma, fugir de si mesmo.
E Isabella ficou ali no meio da biblioteca. Com o coração disparado, as mãos vazias, e a certeza cortante de que o vinco entre eles jamais voltaria a desaparecer.

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