Lorenzo Velardi
Os dias que se seguiram ao incidente na biblioteca não foram apenas longos, foram uma travessia silenciosa entre o que não se diz e o que se sente com força demais.
Para Lorenzo, foi como caminhar em areia movediça. Cada passo dado na tentativa de ignorar Isabella apenas o afundava mais na realidade incômoda de que ela já estava em seu sangue. Era um teste, um castigo, um confronto com tudo aquilo que ele passou a vida se recusando a enfrentar.
Para Isabella, por outro lado, os dias pareciam uma eterna repetição de ausências. Não faltava comida, nem trabalho, nem palavras educadas. Faltava presença. Faltava aquilo que nunca existiu de fato, mas que, por instantes roubados, ela acreditou ter sentido: a possibilidade de ser vista. Desejada não apenas pelo corpo, mas pela alma inteira.
Lorenzo, como sempre fazia quando os sentimentos ameaçavam quebrar a muralha que construiu ao redor do próprio peito, recuou. E desta vez, não foi um simples passo atrás. Foi uma retirada completa.
Fechou-se em si como um animal ferido. Se antes já mantinha certa distância de Isabella, agora essa distância era quase abissal. Passava pelos corredores da mansão como um fantasma elegante, presente, mas inacessível. Evitava os horários comuns da casa, trocava refeições por reuniões, trancava-se por horas no escritório, cercado por papéis que ele mal conseguia ler.
Quando a convivência se tornava inevitável por conta de Aurora, uma pergunta da menina, um pedido inocente, ele falava apenas o essencial. As palavras vinham secas, medidas, afiadas. Navalhas embrulhadas em seda.
Ele dizia a si mesmo que aquilo era o certo. Que o que havia acontecido na biblioteca fora um erro. Um lapso. Um reflexo involuntário de um desejo que não deveria existir. Que seu toque foi um acidente. Que a tensão era apenas fruto do cansaço, da proximidade forçada, da solidão acumulada.
Mas havia um problema.
A pele… lembrava.
E a dele, especialmente, ardia. Como se o toque de Isabella tivesse deixado uma marca invisível, mas viva. A cintura delicada que ele segurou por reflexo. O calor do corpo dela junto ao seu por um segundo longo demais. A fragilidade e a força coexistindo nela e despertando nele um desejo que ia além da carne. Um desejo de saber, de ficar, de esquecer.
E ele não sabia lidar com isso.
E ele, Lorenzo Velardi, o homem que enterrou os sentimentos e o próprio coração junto com a mulher que amou, o homem que aprendeu a viver de forma prática, sem riscos, sem a vulnerabilidade do afeto, agora se pegava acordando no meio da noite, com o peito pesado e o lençol amarrotado. Respirando fundo com o corpo em alerta. As mãos vazias… ansiando por tocar de novo aquela cintura , sentir aquele perfume, ouvir aquela voz que ao contrário da dele era feita de calor.
A imagem de Isabella o assombrava. A forma como seus olhos se arregalaram quando ele a puxou, o calor da pele dela sob seus dedos, a maneira como ela não recuou. Como, por um instante, tudo pareceu… inevitável.
Já Isabella… ela parecia intacta por fora, cordial, atenta, presente. Mas algo nela havia mudado. Havia um recuo sutil, como o de quem entendeu que não seria recebida com ternura e, por isso, guardou o que sentia num lugar seguro, onde ninguém pudesse violar. Seus olhos, no entanto, traíam essa contenção. Eram olhos que sabiam, que esperavam, que viam além do que ele deixava mostrar.
E então chegou a quinta-feira.
O dia amanheceu mais fresco, mas a tensão entre os dois continuava espessa como névoa. Isabella entrou na cozinha mais cedo do que de costume. Esperava encontrar Marta preparando a mesa, Antonella rindo com Aurora ou, no máximo, o som abafado de pratos sendo organizados. Mas não.
Lorenzo estava ali sozinho.
A cena a paralisou por um instante. Ele estava de costas para ela, concentrado em preparar o próprio café. Vestia uma camiseta cinza simples, justa o suficiente para delinear os músculos largos das costas, e uma calça de moletom escura. O cabelo ainda estava úmido do banho e caía levemente sobre a testa, desordenado. Era um Lorenzo diferente, mais homem, menos Vellardi. Algo naquela imagem, a solidão casual, a luz da manhã desenhando seus contornos, a fez sentir um nó na garganta.
Por um segundo, ela quis voltar. Fingir que não o tinha visto. Mas não era mais esse tipo de mulher.
— Tem café. — disse ele, sem se virar, com a voz baixa, grave, como uma pedra arrastando no fundo do peito.
— Obrigada. — respondeu, atravessando o ambiente com passos cuidadosos.
Abriu a geladeira, pegou a jarra de suco e se serviu. Sentou-se à bancada de mármore, sem encará-lo com os olhos, mas sentindo cada centímetro da presença dele. O ambiente estava carregado, como o ar antes de uma tempestade.
Alguns segundos se passaram em silêncio. E então ela falou.
— Sobre o que aconteceu…
— Não há o que falar. — ele cortou, ainda de costas, a voz mais tensa agora.

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