A porta se fechou com um leve estalo. Suave. Quase imperceptível. Mas para Lorenzo, o som ecoou como um trovão abafado no peito.
Isabella se foi.
E ele… continuava ali estático. Os dedos ainda pressionando a borda fria da pia, como se aquela superfície dura pudesse impedir o que estava prestes a romper por dentro.
O coração batia forte, descompassado, como se o corpo tentasse compensar anos de silêncios, de controle, de negação. Ele olhou para a cadeira onde ela estava sentada segundos antes. O copo de suco ainda úmido deixou uma marca no mármore, uma gota solitária escorrendo, como se quisesse ficar ali, lembrando que ela existiu naquele espaço.
Ela existia em todos os espaços agora.
Na biblioteca onde o toque ainda ardia na memória da pele. Nos corredores onde ele prendia a respiração para não encará-la. Nos gestos suaves com Aurora, na voz firme e doce. Nos olhos que pareciam ver além das palavras, além das máscaras, além dele mesmo.
E aquilo o apavorava.
Porque Isabella não era Letícia. Mas começava a ocupar lugares que, até então, ele jurava trancados para sempre.
Lorenzo passou a mão pelo rosto, cansado. O cabelo ainda úmido do banho escorreu entre os dedos. Respirou fundo, mas o ar não entrava direito. Estava pesado, envenenado pela culpa, pelo desejo, pela negação.
Seus pés o levaram, sem pensar, até o corredor silencioso do andar superior.
Ele parou diante da porta fechada do antigo quarto de Letícia.
Não entrava ali há meses. Quase um ano, talvez. A última vez foi para guardar o retrato dela em uma das gavetas e prometer a si mesmo que seguiria em frente. Mas seguir em frente nunca foi, de fato, uma decisão. Era apenas o que ele dizia para justificar a rigidez, o vazio, o isolamento.
Encostou a testa na madeira da porta. Os olhos fechados. E como um veneno suave, as memórias vieram.
Letícia, sorrindo no jardim. Letícia, segurando Aurora ainda bebê, com olhos cansados e felizes. Letícia, deitada no hospital, a mão dele entre as dela, os dedos magros, frágeis, frios.
Ele falhou com ela. Não como marido, mas como homem que deveria tê-la protegido, mesmo da própria finitude.
Durante muito tempo, aquela culpa o devorou por dentro.
E depois da morte dela, Lorenzo não chorou. Não no enterro. Não na volta para casa. Não no primeiro Natal sem ela. Ele apenas se calou. E esse silêncio virou armadura. Escudo. Prisão.
Até que Isabella chegou.
E, sem pedir permissão, sem prometer nada, ela começou a abrir fendas na fortaleza que ele ergueu com tanto zelo.
Primeiro com Aurora e esse foi o golpe mais certeiro. Porque ele a viu se transformar. A filha, antes introspectiva, assustada, quebrada por dentro, começava a sorrir de novo. A correr, a confiar.
Depois veio o segundo golpe, mais inesperado, mais perigoso. Era o que Isabella despertava nele. Não era apenas desejo. Não era apenas o corpo pedindo por um toque. Era algo mais profundo. Mais assustador.
Era o retorno do que ele enterrou junto com Letícia, a vontade de viver.
E isso… isso era intolerável.
Porque se ele se permitisse sentir, abrir espaço para outra mulher, para outro tipo de amor, o que isso diria sobre o amor que teve por Letícia? Sobre o luto? Sobre tudo o que ele foi por anos?
Lorenzo recuava porque não sabia existir sem controle. Sem limite, sem distância.
Mas Isabella não pedia nada disso.
Ela não implorava, não cobrava. Ela apenas era. Com sua verdade tranquila, sua força silenciosa, sua forma serena de provocar terremotos.
E ele, Lorenzo, o homem de decisões firmes e palavras contidas, não sabia o que fazer com aquilo.
Sentou-se nos degraus da escada, com as mãos nos cabelos, os cotovelos apoiados nos joelhos.
A respiração continuava pesada. O peito, apertado. Talvez fosse mais fácil se ela gritasse. Se cobrasse. Se o enfrentasse com drama, mas Isabella não fazia isso.
Ela apenas olhava. Com aqueles olhos verdes, grandes demais. Olhos que não julgavam, mas que o viam de verdade.
E esse era o maior perigo.
Porque se ele se deixasse ver… não haveria mais volta.
E ele sabia, no fundo, que já estava acontecendo.
Ela se infiltrava lentamente nos espaços vazios que Letícia deixou. Não para substituí-la, mas para curá-los. E talvez, só talvez, esse fosse o maior ato de amor que alguém já ofereceu a ele.
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