— Está apaixonado, não está?
Ele se levantou bruscamente, pegou um cigarro o acendendo e caminhou até a sacada. Boston lá embaixo seguia viva, indiferente à miséria emocional dele.
— Não posso me apaixonar por ninguém — murmurou, tragando fundo.
— Não disse que podia. Só disse que já está.
Lorenzo se calou. O cigarro queimava entre os dedos e o vento da madrugada batia contra a sua pele suada.
Valentina se manteve de pé ao lado da cama, com o roupão cobrindo o seu corpo nu e o olhar preso nas costas tensas de Lorenzo. Ele não disse mais nada, apenas tragava o cigarro como se aquilo pudesse anestesiar a verdade que queimava por dentro. O silêncio entre eles era tão carregado quanto a tempestade que se formava no céu.
— Não vai responder a minha pergunta? --- silencio. --- Você ainda é o mesmo covarde de sempre, Lorenzo — ela disse, enfim, com a voz baixa, sem esforço para ser gentil.
Ele não se virou. Apenas tragou de novo, com os olhos perdidos na cidade iluminada à sua frente, como se Boston pudesse oferecer alguma resposta. Mas a cidade, como sempre, seguia indiferente. O caos de dentro não mudava nada lá fora.
— Você se esconde atrás dessa pose de homem arrasado, mas no fundo tem pavor de ser feliz. — Valentina se sentou na cama e continuou, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Porque se for feliz, vai ter que admitir que deixou a Letícia morrer e que seguiu em frente. E você prefere carregar essa cruz para sempre, como se isso fosse uma forma de amor.
Ele se virou devagar. Os olhos apertados, vermelhos, não só pelo cigarro, mas pela raiva contida.
— Cuidado com o que você diz.
— Cuidado você, Lorenzo. Porque uma hora, até o seu luto vai cansar de te proteger. E aí vai sobrar só você. Sozinho, amargo e morrendo em silêncio enquanto a vida passa.
— Não fala da Letícia — ele rosnou, apontando o dedo para ela. — Você não tem o direito.
— Eu tenho, sim. Eu conheci vocês dois. Eu vi de perto o que vocês eram. E também vi você se trancar dentro de uma cela depois que ela morreu. Eu estive aqui! Todos esses anos! Fingindo que bastava! E agora que aparece alguém que realmente te faz sentir… você surta?
Ele jogou o cigarro no chão da sacada e pisou com força.
— Isso que aconteceu entre a gente hoje… — ele passou a mão pelos cabelos, respirando com dificuldade — foi um erro. Um erro que você forçou, Valentina.
Ela se levantou da cama num pulo, com os olhos faiscando.
— Forçado?! Ah, vá pro inferno, Lorenzo! Você apareceu aqui sozinho, de madrugada, porque não sabe o que fazer com o que sente. Você quer se livrar do que sente e achou que me usar seria uma forma prática de esquecer. Mas sabe o que é pior? Você mal conseguiu fingir. Você transou comigo, mas sua mente não estava aqui.
E então a porta automática se abriu e ele foi engolido pela chuva.
O céu desabava sobre Boston como se estivesse chorando o que ele ainda não tinha coragem de admitir.
Lorenzo parou ali por um instante. A camisa molhou em segundos, grudando no corpo. O cabelo escorria água pelos olhos. Mas ele não correu até o carro, apenas ficou de pé no meio da calçada.
A chuva caía com violência, lavando o asfalto, os telhados, os carros… e ele.
Como se tentasse, em vão, lavar também a culpa, o desejo, o medo, a raiva. E, no fundo de tudo isso, a saudade do que ele nunca teve, mas começava a querer.
Isabella era mais do que uma distração. Mais do que um erro.
Ela era… possibilidade.
E Lorenzo não sabia se tinha forças para aceitar isso, ou se teria coragem de perdê-la.
A noite não lhe oferecia abrigo. Mas talvez… a dor fosse o único lugar onde ainda se sentia em casa.

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