Isabella Fernandez
O sol da manhã filtrava-se pelas frestas das cortinas, tingindo o quarto com uma luz suave e dourada, mas dentro de mim, não havia calor. Havia apenas um vazio denso, pulsante, como se a noite anterior ainda estivesse presa à minha pele, como se os olhos dele ainda me encarassem, como se as palavras duras ainda ecoassem nos corredores da minha mente.
Ao meu lado, Aurora dormia profundamente. O corpinho pequeno enroscado sob o lençol, a boquinha entreaberta e o braço jogado por cima da minha cintura. Sua respiração era calma, constante. Um som que, por si só, parecia restaurar algo em mim. Como se aquela criança frágil e luminosa fosse o único elo entre a mulher que eu ainda era e aquela que eu estava tentando não deixar morrer.
Durante a madrugada, ela havia aparecido no quarto, com os olhos semicerrados e o pijama torcido, arrastando Cacau e Lila, suas bonecas de pano inseparáveis.
— Tia Isa… tive um sonho ruim — ela murmurou, com a voz pastosa de sono e medo.
— Vem cá, meu amor — eu disse, abrindo os braços para ela.
Subiu na cama com o jeitinho leve de sempre, e enroscou-se em mim, a cabeça apoiada no meu peito, o corpo buscando abrigo como se soubesse que ali era seguro. E naquele instante, eu também me permiti repousar. Envolvê-la em meus braços era como construir uma fortaleza contra a dor. Uma pequena pausa no caos que habitava meu coração.
Mas agora, com o sol invadindo o quarto e as feridas da noite anterior ainda expostas, eu precisava me mover. Me levantar, fingir normalidade.
Com cuidado, retirei o bracinho dela da minha cintura, afastei o lençol e deslizei para fora da cama, sentindo os pés tocarem o chão frio. Vesti uma blusa leve, amarrei o cabelo num coque frouxo e encarei o espelho por um segundo. Estava pálida. Olheiras suaves marcavam minha expressão cansada. O que vi ali não era apenas cansaço. Era confusão. Era saudade de algo que eu nunca cheguei a ter de verdade.
Desci as escadas com passos suaves. O ar da casa estava fresco, ainda com o cheiro do amanhecer e do café sendo preparado. Na cozinha, Marta já estava de pé, de avental branco, misturando algo numa tigela. O cheiro de pão fresco preenchia o ambiente com um conforto quase cruel.
Ela me ofereceu um sorriso gentil, mas examinou meu rosto com olhos atentos.
— Dormiu mal, querida? — perguntou, com a voz sempre acolhedora.
— Um pouco — respondi, forçando um sorriso que não chegava aos olhos. — Aurora acordou de madrugada, teve um pesadelo.
Mentira.
Aurora dormia como um anjo, agora tranquila no meu quarto, protegida de tudo. Mas Marta apenas assentiu, com aquele jeito silencioso de quem entende que nem toda pergunta precisa de resposta e eu, agradeci em silêncio por isso.
Caminhei até a geladeira, peguei a jarra de suco e a coloquei sobre a bancada. Meus dedos estavam frios. O estômago, vazio e a mente… a mente era um campo de batalha. O som da colher batendo na tigela de Marta era o único ruído, até que ouvi os passos no corredor. Passos pausados e firmes. Passos que fizeram meu coração disparar como se tivesse sido arrancado do peito.
Não agora. Por favor, não agora. — murmurei para mim mesma.
Mas o destino raramente é gentil com os corações partidos. E então ele entrou.
Seu nome retumbou dentro de mim antes mesmo que seus olhos encontrassem os meus.
Estava imponente como sempre, mas com um ar ainda mais irritante. Usava uma camisa branca impecável, dobrada nos cotovelos, calça social cinza e o relógio habitual no pulso, cintilando sob a luz da manhã. Os cabelos estavam levemente úmidos, ele havia tomado banho, e talvez, tentado lavar de si as lembranças que tanto se esforçava em enterrar.
Mas os olhos... os olhos estavam escuros, frios. Como se a noite anterior tivesse sido apenas uma ilusão, um delírio do qual ele havia despertado mais cínico do que nunca.
Nossos olhares se encontraram por uma fração de segundos. E naquele breve instante, eu vi. Vi que ele ainda sentia, mas também vi que estava decidido a fingir que não.
Era um olhar que doía. Como se nada tivesse acontecido. Como se ele não tivesse me prendido contra o corpo dele e me desejasse ter ali. Como se não tivesse me queimado com aquele toque. Como se tudo aquilo tivesse sido… descartável.
— Bom dia — murmurei, num fio de voz.
— Bom dia — respondeu, seco, sem sequer me olhar de novo.
Pegou uma xícara de café e se encostou à bancada, de costas para mim.
O silêncio entre nós não era apenas silêncio. Era uma avalanche de tudo o que não foi dito. Era a dor embutida em cada gesto contido. Era o peso das palavras não pronunciadas.
Meu estômago se revirou. Peguei meu copo de suco e a levei aos lábios, mais para ocupar as mãos do que por sede. Tinha vontade de gritar, de bater com força naquela bancada e perguntar: Não vai falar mais nada?

VERIFYCAPTCHA_LABEL
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar