Lorenzo Velardi
Observei-a sair da cozinha em silêncio, com o suco ainda pela metade no copo. Ela não correu, não gritou, não bateu porta. Mas aquele silêncio… era quase um grito. Era o tipo de ausência que ficava impregnada no ar como um perfume que a gente nunca mais esquece.
A roupa simples dela, uma blusa clara que escorregava de um ombro, revelando um pedaço delicado da sua pele. O coque frouxo, feito às pressas, com alguns fios soltos caindo pela nuca. Os pés descalços, os olhos baixos. Cada detalhe, por menor que fosse, carregava a presença dela como um raio silencioso de alguma tempestade prestes a acontecer.
Ela não olhou para trás. Não esperou que eu dissesse nada. Apenas… saiu.
E eu fiquei ali parado, fingindo que aquele copo de café quente entre minhas mãos era tudo o que eu precisava para não desmoronar.
Mas minha mãe me olhava. Eu podia sentir o olhar dela cravado em mim, como se soubesse exatamente o que se passava por dentro do meu peito. E, claro, ela sabia.
— Lorenzo… — ela começou, com a voz calma, quase carinhosa demais para ser segura.
Revirei os olhos antes que as palavras dela me alcançassem de vez.
— Não começa — murmurei, numa tentativa ridícula de manter o controle.
— Estou apenas te observando — disse, com aquela ternura que só uma mãe consegue empunhar como faca. — Como uma mãe faz quando vê o filho tentando se afogar em areia movediça e fingindo que não está afundando.
Suspirei, pesado.
Ela se aproximou devagar, com os passos suaves no piso de madeira da cozinha, tocando o meu braço com delicadeza, mas também com firmeza. Era o toque de alguém que já viu muita coisa e sabia que essa história estava longe do fim.
— Você pode fingir o quanto quiser, Lorenzo. Pode continuar esse teatro. Mas ela… ela está diferente. E você também.
Virei o rosto com a mandíbula cerrada.
— Não há nada acontecendo aqui — menti, e até eu ouvi o som da farsa escorrendo entre os dentes.
— Claro que não — ela sorriu de lado. — O silêncio entre vocês é tão alto que chega a me doer os ouvidos.
Ela me conhecia. Sabia onde apertar. E, por algum motivo, não estava ali para me julgar. Estava… preocupada.
— Só espero — continuou ela, com um olhar carregado de algo que me fez encolher um pouco por dentro — que, quando tudo explodir, ninguém se machuque além do necessário.
Ela saiu como entrou, com a dignidade e calma de quem vê o campo minado se formar, mas sabe que não pode impedir a guerra. Apenas assistir de longe.
E eu… eu fiquei parado. Com o gosto amargo da bebida da noite anterior ainda na garganta. Whisky barato e o desespero engarrafado.
Mas tinha um gosto pior. Um gosto que ainda não provei, o gosto da boca dela.
Isabella.
A maldita Isabella.
Ela quase foi minha ontem, quase. E esse maldito "quase" agora me devora por dentro como um veneno lento.
Ela me vê.
E talvez seja isso que mais me assuste. Porque Isabella me enxerga além da máscara. Além do homem austero, fechado, pragmático. Ela vê o homem quebrado, o pai falho, o filho que ainda guarda mágoas do passado, o viúvo que se recusa a admitir que está aprendendo a sentir outra vez.
O que acontecerá quando eu não conseguir mais segurar? Quando o desejo for maior do que o medo? Quando os olhos dela me implorarem por algo que eu não tiver forças para negar?
E pior… quando a minha filha, com seus olhos inocentes e coração limpo, olhar para nós dois e perceber o que existe?
Porque, no fundo, ela já percebeu. As crianças sempre sabem.
Eu sou um homem que passou a vida construindo muros. De controle, de distância, de lógica. Mas agora… estou cercado. E o cerco não é feito de armas. É feito de gestos, toques, olhares, silêncios como o de hoje.
Silêncio que fala mais do que qualquer discussão. Silêncio que carrega promessas e medos ao mesmo tempo.
E o fim disso… eu não sei. Juro que não sei.
Talvez seja redenção. Talvez seja ruína.
Mas seja o que for… já começou.
E eu, Lorenzo Velardi, não sei mais como pará-lo ou se na verdade desejo que ele pare.

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