Lorenzo estava ali há muito mais tempo do que imaginava. A varanda do segundo andar da mansão era seu refúgio silencioso naquela tarde que morria em tons cor de mel. O vento brincava com a copa das árvores, carregando o perfume das flores do jardim e a lembrança de um tempo que ele havia enterrado bem fundo, ou acreditava ter enterrado.
Encostado na moldura da porta francesa, ele segurava uma xícara de café já fria, esquecida entre os dedos. A camisa social estava desabotoada até a altura do peito, revelando parte do tórax forte e marcado pelo cansaço de uma alma que já não sabia como se proteger. Os cabelos estavam desalinhados, como se os dedos tivessem passado por eles repetidamente, em um gesto inconsciente de ansiedade.
Mas nada disso importava.
Seus olhos estavam fixos lá embaixo, em uma cena que deveria ser simples, banal — mas que, para ele, parecia arrancar pedaços de dentro do peito.
Aurora ajoelhava-se no jardim, com os joelhos sujos de terra, os cabelos soltos dançando ao vento e os olhos fechados enquanto ria de algo que Isabella dizia. A voz da menina subia em espirais suaves, como sinos de vidro tocando o coração dele.
E Isabella… Isabella sorria de um jeito que Lorenzo já não via há anos. Era um sorriso sereno, natural, carregado de uma ternura tão silenciosa que parecia perfumar o ar ao redor. Estava com os cabelos presos em uma trança solta, o vestido lilás esvoaçando ao redor das pernas, como se fosse parte do próprio jardim.
E entre as duas… a flor.
A Delphinium.
Aquela flor.
Lorenzo sentiu o corpo inteiro enrijecer. Seu coração deu um salto tão forte que ele quase deixou a xícara cair.
A Delphinium permanecia erguida e viva no centro do canteiro. Azul-violeta, delicada e ao mesmo tempo altiva. Era como um sussurro do passado que agora gritava.
Ele se lembrou.
Foi ele quem a plantou. Num dia de chuva intensa, com as mãos sujas de terra e o coração ainda apaixonado. Letícia, sua esposa, havia olhado para ele com um brilho nos olhos e dito:
“Essa flor… parece uma estrela que caiu do céu só pra mim.” lembrou de sua amada Letícia dizendo isso.
E ele, tolo e perdido de amor, plantou. Plantou porque queria ver o sorriso dela, queria guardar aquele brilho no olhar dela para sempre.
Mas o “para sempre” foi cruel demais.
E agora ali estava ela, a flor, ainda viva, ainda brilhando. E diante dela, sua filha. A filha que Letícia deixara para ele. A menina que ele jurou proteger de tudo, até de si mesmo.
Mas como proteger Aurora… quando o que mais a fazia sorrir era justamente o que Lorenzo não sabia como controlar?
Ele via. Contra a própria vontade, via. O modo como Aurora se jogava nos braços de Isabella como se aquele colo fosse casa. O modo como Isabella acariciava os cabelos da menina com cuidado, como se cada fio carregasse uma história sagrada. A forma como a pequena encostava a cabeça no ombro dela, como se soubesse que ali havia amor.
Amor.
Essa palavra ecoou dentro de Lorenzo como um trovão abafado.
Ele não podia amar Isabella.
Não podia permitir que aquilo crescesse.
Não podia correr o risco de perder de novo.
Porque Isabella… ela era perigosa. Não porque tivesse más intenções, mas porque despertava nele o que há muito estava adormecido. E quando Lorenzo amava… ele se tornava vulnerável. E vulnerabilidade, ele já havia aprendido, era uma sentença de morte para quem carrega culpas que jamais cicatrizam.
Mas era tarde.
O sentimento já estava ali, florescendo. Como a Delphinium que se recusou a morrer.
Fechou os olhos com força, tentando conter a torrente que ameaçava desabar dentro de si. Sentiu o peito apertar, o nó na garganta crescer. Os dedos ao redor da xícara cerraram-se até os nós ficarem brancos.


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