O dia passou arrastado.
A chuva começou por volta das seis da tarde. Primeiro uma garoa fina, depois uma tempestade torrencial. Os pingos batiam com força contra as janelas da mansão, o céu escurecendo antes do tempo.
E Lorenzo… não voltou.
Aurora adormeceu no colo de Isabella depois do jantar, exausta de tanto perguntar “que horas o papai chega?”. Ela a levou até o quarto, ajeitou o cobertor sobre o corpinho quente e ficou um bom tempo ali, observando o rosto sereno da menina no sono.
Mas o seu próprio peito era tudo, menos sereno.
Às duas e quarenta da madrugada, Isabella já não suportava mais. Vestiu o robe por cima da camisola, e desceu devagar.
A mansão inteira dormia, menos ela.
Abriu a porta dos fundos, sentindo o vento gelado e úmido cortar seu rosto. Olhou para a garagem buscando pelo carro dele, sabia que ele não tinha chegado, não ainda. Abraçou o corpo, e resolveu caminhar pelo jardim, como se algo a chamasse.
A chuva caía com fúria, como se o céu também estivesse em pranto. Isabella caminhava entre as flores encharcadas, os cabelos colando no rosto, o tecido do robe grudando à pele. Os pés descalços afundavam no solo encharcado.
E lá estava ela.
A Delphinium, sozinha, erguida no meio do jardim, como se desafiando o temporal.
Isabella parou diante da flor sentindo o coração apertado. Seus olhos marejaram de imediato, o corpo inteiro molhado, trêmulo, mas nada importava.
Ela ficou ali, imóvel, encarando aquela flor azul como se dependesse dela para respirar. Fechou os olhos e sussurrou:
— Me diz o que fazer… — sussurrou ao vento, como se a flor pudesse responder.
✦ ✦ ✦
A madrugada havia mergulhado a cidade em uma escuridão densa, recortada apenas pelo brilho trêmulo dos postes ao longe e pelo som insistente da chuva que continuava a cair, firme, espessa, como se o céu quisesse lavar as dores da terra. Eram 2h43 quando os faróis de um carro de luxo cortaram a alameda silenciosa e estacionaram diante da mansão Velardi.
Lorenzo saiu do veículo com movimentos desequilibrados, o sobretudo pesado colado ao corpo e o cheiro de álcool misturado ao da tempestade colado à pele. Os cabelos estavam molhados, a barba por fazer, os olhos vermelhos e fundos. Ele cambaleou por um instante, apoiando-se na lateral do carro antes de cerrar os dentes e subir os degraus da entrada.
Mas algo o deteve.
Uma luz tênue, quase etérea, vinha do jardim.
E então ele a viu.
Ali, em pé, completamente encharcada sob o temporal, diante da flor azul que um dia ele mesmo plantou com as mãos trêmulas e o coração cheio de amor. A mesma flor que Letícia chamava de “estrela caída na terra”. A mesma flor que, inexplicavelmente, florescia agora, depois de anos de silêncio.
Isabella.
O robe aberto caía como véu em torno do corpo, a camisola rendada colada à pele translúcida, revelando as curvas femininas e frágeis. As mãos estavam cruzadas sobre o ventre e os olhos fechados, voltados para o céu. Ela deixava a água escorrer pelo rosto, como se cada gota lavasse o que ela não conseguia dizer. O cabelo grudado na testa, nos ombros, nas costas. Os pés descalços afundados na grama encharcada. O corpo curvado pela dor e, ainda assim, tão absurdamente belo.
Lorenzo parou.



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