Entrar Via

A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar romance Capítulo 70

Isabella Fernandez

— Tia Isa, vou buscar a Cacau e a Lila para irmos ao jardim!

Aurora saiu saltitando pelo corredor, os cabelos balançando como se ela tivesse nascido com asas nos pés. O vestido cor-de-rosa voava ao redor do corpo pequeno enquanto ela desaparecia num rastro de risos, deixando atrás de si o perfume suave da infância.

Marta acompanhou com os olhos ela sumir atrás de uma das colunas do corredor. Quando voltou a me olhar, seus olhos já não sorriam. Não cruzou os braços, não fingiu casualidade. Ela não tentou disfarçar o que viu em mim. Apenas caminhou até a porta, a fechou com calma e atravessou o salão em silêncio, com passos leves e firmes, como quem entra num quarto onde se pressente a dor.

Eu ainda estava ali, encostada no piano, com os dedos tensos sobre a madeira polida, como se aquele móvel antigo fosse a única coisa me impedindo de desmoronar.

Marta não disse nada de imediato. Ficou a um passo de distância, me olhando. O silêncio entre nós pesava mais do que qualquer palavra.

— Agora que a fadinha foi espalhar magia pelo andar de cima... — disse por fim, com a voz tranquila, mas sem rodeios — você quer me contar o que aconteceu aqui?

Tentei sorrir, por reflexo. Mas o sorriso não passou da intenção. Me afastei do piano, sentindo o corpo ainda trêmulo, e caminhei até a janela. Abri a cortina com um gesto suave, apenas para ter algo nas mãos, algo para fingir. O céu lá fora estava nublado, e o jardim parecia imóvel, como se até as folhas evitassem fazer barulho.

Era um espelho do que eu sentia.

— Não foi nada, Marta. Só… um desencontro. Um choque de rotas. — Minha voz saiu baixa, como se temesse ser ouvida pela própria sala.

Ela bufou. Um som quase carinhoso.

— Isabella, você pode até enganar muita gente com esse olhar de anjo e essa calma de freira, mas eu sou uma mulher. Já vi muitos olhares como o seu pra saber quando alguém tá segurando o choro com os dentes.

Fechei os olhos por um instante. Tão fácil seria dizer: “tá tudo bem”. E empurrar aquilo pra debaixo do peito como sempre fiz com as dores que não cabiam no mundo. Mas alguma coisa dentro de mim estava cansada. Tão cansada de aguentar calada. Talvez porque o confronto com Vereda tivesse tocado um lugar profundo, onde as inseguranças que eu tentava controlar estavam se acumulando há tempo demais.

Respirei fundo.

— Foi a Vereda. — falei enfim.

Marta demorou um segundo antes de responder, como se saboreasse a confirmação de uma suspeita.

— Eu imaginei. O jeito que ela saiu daqui... parecia uma vilã de novela mexicana. Só faltou a trilha sonora e o tapa dramático.

Sentei no banco do piano, sentindo o peso do próprio corpo, como se minhas pernas não pudessem mais me sustentar. A exaustão era mais emocional do que física, como se eu tivesse saído de um campo de guerra onde nenhuma bala foi disparada, mas todas as feridas ficaram abertas.

— Ela me esperou. Sabia que o senhor Velardi sairia cedo e que Aurora estaria com você. — disse, com a voz um pouco trêmula. — Foi como uma armadilha. Ela preparou tudo. Escolheu o piano, o vestido, a presença, a pose. Tudo milimetricamente pensado.

Marta sentou-se ao meu lado, mantendo uma distância respeitosa, mas o suficiente para que eu sentisse sua presença firme ao meu lado.

— Vereda sempre foi assim — disse ela. — Gosta de palco. Gosta de espetáculo. E principalmente, gosta de fazer as outras mulheres se sentirem pequenas. É o único jeito que ela encontra de se sentir grande.

Eu permaneci em silêncio por um instante, olhando para o nada. O rosto de Vereda ainda pulsava na minha memória, aquele sorriso cheio de veneno, os olhos frios, a voz mansa como seda, mas pontiaguda como lâmina.

— Eu não estou aqui por ele. Estou aqui pela Aurora. Ela não precisa se sentir ameaçada por mim. — sussurrei.

— Não... não é fraqueza. Mas eu sou só uma garota do interior. A babá da filha dele. Um homem como Lorenzo jamais... jamais olharia pra mim de verdade. E se olha... eu não sei o que fazer com isso.

Marta se virou um pouco mais, como uma irmã mais velha prestes a dizer algo que muda o curso das coisas.

— Isabella, escuta. A Vereda é o tipo de mulher que acredita que dor dá direito. Que porque ela viu o Lorenzo no fundo do poço, isso a torna especial. Ela pensa que ser testemunha da dor dele a fez merecedora do amor dele. Mas não é assim que o amor funciona.

Suspirei, o ar parecia pesar nos pulmões.

— Ela o conhece despedaçado, Marta. — continuei, com a garganta apertada. — Ela é uma mulher culta, elegante, segura. Tem aquele tipo de presença que atrai olhares e impõe respeito. Ela combina com ele. Ela se encaixa no mundo dele. Num jantar de gala, num coquetel da empresa, numa reunião de investidores… ela seria a escolha óbvia. E eu… eu sou só a babá da filha dele.

Marta me olhou com os olhos calmos, mas intensos. Ela não se apressou em responder. Deixou que minhas palavras encontrassem seu próprio peso no ar. Só então, com a tranquilidade de quem sabe o valor de cada vírgula da vida, ela disse:

— E é por isso que você é diferente.

Sua voz não tremia. Era firme, mas não dura. Era feita de raiz. Daquelas que seguram as árvores nas tempestades.

— Porque você não quer alimentar os fantasmas dele. Você não quer continuar lembrando o tempo todo a dor que ele viveu. Você não se interessa pelo sangue nas mãos dele nem pelas tragédias do passado. Você quer acender a luz, quer ser casa. Quer ser chão. Quer ser um silêncio bom depois do barulho. E sabe o que mais? Lorenzo precisa disso. Talvez mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Fiquei em silêncio. As palavras dela pareciam mexer em lugares dentro de mim que eu evitava tocar. Como se me dissesse aquilo que, no fundo, eu sonhava ouvir... mas jamais me permiti acreditar.

— Você se apaixonou por ele?

Histórico de leitura

No history.

Comentários

Os comentários dos leitores sobre o romance: A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar