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A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar romance Capítulo 71

O silêncio no salão era quase macio. O tipo de silêncio que parece acolher a dor sem fazer perguntas. Eu ainda estava sentada no banco do piano, com os ombros caídos, o corpo cansado como se tivesse corrido quilômetros sem sair do lugar. A janela aberta deixava entrar o cheiro úmido de terra molhada, e lá fora, o céu continuava acinzentado, como se tivesse escolhido se vestir da mesma cor que eu por dentro.

Marta permanecia ao meu lado, com a mesma presença tranquila de sempre, como uma âncora silenciosa que sabe exatamente onde e como estar.

— Você se apaixonou por ele? — completou ela, com a doçura de quem não julga, apenas vê.

Abaixei a cabeça. Não respondi. Era como se admitir em voz alta fosse me expor a um perigo ainda maior do que senti-lo em silêncio. Mas minha respiração se alterou. E quando ela me olhou de novo, soube.

Ela sorriu, com a sabedoria de quem já sentiu aquilo tudo antes.

— É. Você se apaixonou por ele.

Suspirei. Uma lágrima quente escorreu pelo meu rosto e caiu no colo, silenciosa. Não tentei limpar. Não tentei disfarçar. Era inútil. Aquela dor... aquele medo... aquele desejo escondido... já estavam todos impressos em mim.

— Mas eu não sei se ele sente o mesmo, — murmurei. — Às vezes ele é gentil, cuidadoso. Tem gestos que me desconcertam. Me olha como se estivesse a um passo de me beijar… e depois desaparece. Some. Como se lutar contra isso fosse uma obrigação moral. Como se gostar de mim fosse errado.

Marta me ouviu com calma. Não me interrompeu. Apenas me deu tempo. E então respondeu com uma voz baixa, mas firme:

— Porque talvez seja. Talvez ele esteja assustado também.

Aquelas palavras ficaram suspensas no ar por um instante. "Assustado". Aquilo me tocou de um jeito inesperado. Eu nunca havia pensado nisso. Nunca considerei que um homem como Lorenzo, com sua firmeza, com sua postura... pudesse ter medo. Mas era verdade. Os olhos dele, por vezes, escondiam mais do que deixavam transparecer.

— E se eu quebrar ele mais? — sussurrei, como uma confissão roubada do fundo do meu peito. — E se ele confiar em mim... e eu não for suficiente? E se eu for só mais uma decepção na longa lista de feridas dele?

Marta sorriu. Mas não foi um sorriso de quem desdenha. Foi um sorriso triste, de empatia. Um sorriso que dizia "eu entendo".

— Você não vai quebrá-lo, Isa. — disse, com delicadeza. — E mesmo que quebre... às vezes é preciso quebrar de novo. Com delicadeza, com presença. Para refazer direito. Às vezes é preciso desmontar para reconstruir com mais verdade.

Eu balancei a cabeça, devagar, e abaixei os olhos para o chão de madeira escura.

— Mas eu não sou suficiente pra isso, — repeti, com um nó na garganta. — Eu me apaixonei, Marta. E isso... isso me desmonta. Me deixa vulnerável de um jeito que eu nunca estive. Às vezes eu me pergunto se ele só tá curioso... ou se só tá tentando esquecer o passado. Se ele me vê ou só me usa como distração de uma dor maior.

Marta virou levemente o corpo em minha direção, com aquele olhar maternal que abraça mesmo sem tocar.

— E se você for a mulher certa no momento mais improvável da vida dele? — rebateu, com suavidade. — E se ele estiver lutando contra esse sentimento porque acha que não merece um recomeço como você? Já pensou que o medo que você sente... talvez seja o mesmo que ele esconde todos os dias atrás daquela postura de aço?

Levantei os olhos e os encontrei com os dela. Não havia julgamento, só compreensão. Profunda, serena, inteira.

Essas palavras ficaram reverberando dentro de mim.

Eu, que tantas vezes me senti pequena demais para o mundo de Lorenzo... começava a entender que talvez ele não precisasse de grandeza. Talvez, o que ele buscava, no fundo, era abrigo. Silêncio. Compaixão. Um amor sem barulho.

Fechei os olhos por um segundo. E quando os abri, o mundo estava do mesmo jeito. A sala silenciosa, o piano ao lado e o céu ainda cinzento.

Mas eu, dentro de mim, estava diferente.

Menos assustada.

Mais inteira.

Mais disposta a continuar.

E talvez, só talvez… mais próxima de acreditar que o lugar que Lorenzo ocupava no meu coração… não era só um delírio de menina. Era amor. E se fosse amor mesmo... eu teria que ser corajosa o suficiente pra ficar.

Mesmo que ele ainda não soubesse como.

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